Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Toucinho é diminutivo de "touço"?

Resposta:

Claro que não, só jocosamente.

Não há registo do substantivo "touço", e, portanto, toucinho (ou, em certos falares ppopulares, toicinho) não pode ser um diminutivo. A explicação para a configuração que a palavra tem é histórica, como explica o Dicionário Houaiss:

«segundo [Joan] Corominas, vocábulo peculiar ao esp[anhol] (tocino, 1081) e ao port[uguês], prov[avelmente]. derivado do lat. tŭcca, `caldo gorduroso´, de orig[em] céltica, donde tuccētum, `carne de porco conservada em salmoura´, e *tuccinum lardum, orig[em] das pal[avras] hispânicas, formado em lat[im] vulg[ar] hispânico [...].»

Pergunta:

Estes dias, em uma aula de espanhol, fui corrigida pela professora quando usei a expressão «vamos comigo», pois alegou se tratar de redundância. Entretanto, ela afirmou que em português, segundo a norma culta, a expressão também é inadmissível. Sabemos que a redundância deve ser evitada, mas em alguns casos é aceita, por questão de ênfase. Este não seria um destes casos? Encontrei, inclusive, um poema de Adélia Prado onde a escritora diz «vamos comigo...» (e poderia citar ainda outros exemplos na literatura). Resumindo: dizer «vamos comigo», segundo a gramática normativa, é ou não é aceito?

Obrigada.

Resposta:

O uso «vamos comigo» é de facto uma redundância que a norma não aceita, porque, ao dizer-se «vamos», já se deixa implícita a ideia de que o sujeito que fala é companhia dos seus interlocutores – não é preciso reforçar a frase com comigo.

Deve, no entanto, observar-se que, no português coloquial brasileiro, é conhecida a expressão «vamos comigo», que chega a ser recriada literariamente: «– Pois é, Duda, você tá chegando tarde. Vamos comigo para o comitê – disse o sogro» (Joyce Cavalcante, Inimigas Íntimas, 1993, in Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira). E assinale-se que a linguagem da poetisa Adélia Prado vai buscar muitas construções ao português do Brasil mais popular. É o caso de «vamos comigo».

Pergunta:

Será correcto dizer: «... passando a redundância...», ou temos de usar as formas verbais «passo», «passe» ou «passe-se»?

Obrigado.

Resposta:

A expressão tradicional é «passe a redundância/o exagero/a incorreção/o disparate», com o verbo na 3.ª pessoa, a concordar com a palavra que define o tipo de situação enunciativa  passível de censura (redundânciaexagero, incorreção, disparate). No entanto, pode admitir-se que, em certos contextos, o verbo passar seja usado no gerúndio: «Quando dizemos "ver claramente visto" (passando a redundância), pretendemos...» Também é possível o plural: «passem as redundâncias». Note-se, porém, que nesta expressão se usa geralmente a 3.ª pessoa, ou seja, não é habitual «passo a redundância», com o verbo na 1.ª pessoa, nem se costuma empregar o verbo pronominalmente (não se diz *«passe-se a redundância»). Acrescente-se que, na expressão em apreço, o verbo passar tem uso intransitivo e assume os seguintes significados (Dicionário Houaiss): «ser meramente aceitável ou tolerável» (ex.: «a comida não está boa, mas passa») e «ser aceito, admitido, acolhido» (ex.: «neste plenário, crassas tolices passam sem objeção»).

Pergunta:

Em algumas gramáticas/manuais escolares, as subclasses dos verbos são: 1 – transitivo (direto, indireto e direto e indireto); 2 – intransitivo; 3 – copulativo. Outras acrescentam a subclasse 4 – auxiliar. Há ainda manuais que consideram uma quinta subclasse: 5 – impessoal/defetivo. E ainda temos a questão de o verbo ser irregular ou irregular...

Sendo assim, quantas subclasses do verbo existem de facto? E como classificamos as outras informações, nomeadamente o facto de ele ser regular ou irregular?

Resposta:

Os verbos, como outras classes, podem ser definidos de acordo com diferentes perspetivas – e essas diferentes subclasses existem há longa data.

As classificações de que fala são de dois tipos:

I – sintático-semântica

II – morfológica, relativa ao tipo de flexão

Do ponto de vista sintático, os verbos compreendem três subclasses, segundo o Dicionário Terminológico (DT), que, atualmente em Portugal, se destina a apoiar o estudo da gramática nos ensinos básico e secundário:

– verbo principal;

– verbo copulativo;

– verbo auxiliar.

Os verbos principais subdividem-se, por sua vez, em:

intransitivo;

transitivo direto;

transitivo indireto;

transitivo direto e indireto;

transitivo-predicativo.

Quanto aos tipos flexionais apresentados pelos verbos, temos:

– verbo regular;

– verbo

Pergunta:

Qual a melhor tradução ou aportuguesamento da palavra "kolkhozes"?

Resposta:

Recomenda-se colcoz, cujo plural é colcozes, embora se trate de formas com pouca tradição, como a seguir se expõe:

1. Existe a forma aportuguesada colcoz (plural colcozes), registada no Dicionário Houaiss, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras e no VOLP da Porto Editora (disponível na Infopédia). Note-se, porém, que colcoz não parece ter tido uso significativo quando comparado com kolkhoz: no Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira, recolhem-se três ocorrências de kolkhoz (todas da mesma fonte, uma enciclopédia publicada em Portugal), mas nenhuma de colcoz. É uma recolha escassíssima que já mostra como a palavra, apesar de conhecida, tem poucas ocasiões de uso.

2. Dado, portanto, o pouco uso que atualmente se tem dado à palavra em referência (em contraste, talvez, com o que se registava há quarenta anos, quando ainda existia a União Soviética e o seu modelo de gestão ainda estava presente nas atualidades), pode parecer mais acessível a forma internacional kolkhoz, que está, de resto, também dicionarizada (cf. Dicionário Houaiss).

3. Importa assinalar, porém, que a forma de plural "kolkhozes" levanta vários problemas, porque não é coerente nem gráfica nem morfologicamente. Com efeito, a forma russa é колхозы, a qual anglicizada fica kolkhozy; grafar "kolkhozes" será associar a uma forma estrangeira um sufixo português, situação que é apenas admitida quand...