Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Pergunto sobre a utilização ou não da crase na seguinte frase e qual seria o modo correto: «voltado à/para/para a consolidação»?

Frase: «A jovem nação viverá um período conturbado, voltado à [ou "para a" ou apenas "para"] consolidação do novo Estado.»

Resposta:

Assim como se escreve «voltado para a consolidação», também se deverá escrever «voltado à consolidação», com a particularidade de, neste caso, à representar a fusão (crase) de uma preposição e a forma de feminino do artigo definido – «a a».

Com o adjetivo voltado (que tem origem no particípio passado de voltar), usa-se geralmente a preposição para; exemplo (Linguateca):

(1) «O foco do governo federal está voltado para um profundo ajuste econômico nestes bancos.»

Mas também se aceitam as preposições a e contra (Francisco Fernandes, Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos; exemplos da Linguateca):

(2)  «Essa foi sua grande explosão, a proposta revolucionária que fez e que, como por encanto, o transformou num ser voltado à solidão.»

(3) «A agressividade das forças franquistas atingia seu apogeu num ataque voltado contra uma população civil estimada em mais de 10 mil pessoas.»

Observe-se que se usa geralmente artigo definido com consolidação:

(4) «É necessária a consolidação do novo Estado.»

(5) ?«É necessária consolidação do novo Estado.»

O artigo definido é usado com substantivos abstratos que correspondem a v...

Pergunta:

Como se diz? Engivas, ou gengivas?

Resposta:

No português culto, diz-se gengivas. Engivas é uma variante popular, registada, por exemplo, no Dicionário de Expressões Populares Portuguesas (Lisboa, Publicações D. Quixote, 1994), de Guilherme Augusto Simões.

Pergunta:

Como é: Valença de Alcântara, ou Valência de Alcântara? É uma vila espanhola de Cáceres (Espanha).

Obrigada.

Resposta:

A forma atualmente generalizada é Valência de Alcântara.

Deveria dizer-se e escrever-se Valença de Alcântara, tal como propôs Rebelo Gonçalves no Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (1947, p. 360, n. 1), mas a verdade é que o uso consagrou Valência de Alcântara. Também nos anos 40 do século passado o mesmo autor recomendava Valença de Espanha como forma portuguesa do espanhol Valencia, mas o nome efetivamente usado é Valência. A cidade minhota de Valença mantém, no entanto, a forma tradicional.

Pergunta:

O esquema rimático abab corresponde à rima cruzada? Será que se pode considerar rima cruzada quando temos o esquema rimático abac?

Resposta:

Pode considerar-se que um esquema como abac é representativo da rima cruzada. Amorim de Carvalho, no seu Tratado de Versificação (Lisboa, Centro do Livro Brasileiro, 1981, p. 84), considera que a rima é «cruzada, quando alterna com verso sem rima ou de rima diferente»; exemplo (idem):

«Porém quando mais te amo,

ó cruz do meu Senhor,

é se te encontro à tarde,

antes do Sol se pôr;1»

Alexandre Herculano

Neste exemplo, o esquema rimático é abcb, mas, à luz do critério enunciado por Amorim de Carvalho, é também legítimo aceitar abac como esquema de rima cruzada, uma vez que a rima alterna com versos sem rima (b e c).

1 A norma estipula que a preposição não se contraia com o artigo que faça parte do sujeito de uma oração de infinitivo. Observe-se, contudo, que nem sempre isso acontece nos autores clássicos.

Pergunta:

Existe o aportuguesamento de kosher? [Trata-se de] termo referente à produção e preparação de alimentos segundo as leis judaicas.

Resposta:

Não tenho conhecimento de existir aportuguesamento estável de kosher, forma anglicizada de uma palavra iídiche relativa ao «que está de acordo com a lei judaica (sobretudo no âmbito alimentar)» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa; ver também Dicionário Houaiss).1 Observo também que, como sinónimo de kosher, o Dicionário Houaiss regista kacher2, mas a presença do k torna esta grafia insatisfatória, dadas as restrições ao uso dessa letra na ortografia do português3. E ainda que supuséssemos como adequadas as adaptações gráficas "cóxer" ou "cócher"4, é kosher, em itálico, a forma que os dicionários acolhem.

As outras línguas românicas, pela sua afinidade com o português, poderiam dar algumas sugestões, mas, em relação a kosher, também elas se pautam por uma certa indecisão e alguma diversidade de resultados. Em espanhol, apesar da maior adequação de cócher, recomenda-se kósher por ser grafia mais usada (cf. comentário do Fundéu – Fundación del Español Urgente). Em galego, há quem escreva kóxer, mas nem esta nem outra formas aparecem sancionadas pelo dicionário da Real Academia Galega. Em catalão, atesta-se caixer (Diccionari de la Llingua Catalana do Institut d´Estudis Catalans), mais de acordo com a forma histórica hebraica (ver nota 1). Finalmente, em francês, verifica-se uma grande variação: kasher, casher, kacher, cacher, cawcher, câchère (informação da Wikipédia em francês, s. v.