Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Barlavento é da família de barco?

Obrigada.

Resposta:

Barlavento não é da família de palavras de barco.

Segundo o Dicionário Houaiss, barlavento tem origem controversa, mas é palavra que apresenta uma variante do radical balr-. De acordo com a mesma fonte, este radical pode descrever-se do seguinte modo (traduziram-se as passagens em espanhol): «antepositivo, sobre o qual Corominas diz (s.v. barlovento): "´parte donde vem o vento`, origem incerta; há relação com barloar, ´vir por barlavento`, e com o antigo loo, ´barlavento`: este foi tomado do escandinavo lôf, idem, por via do francês lof; a locução francesa venir par lof por influxo do sinónimo castelhano venir de bolina; de barloo derivaria barloar, e de barloo sairia também barlovento por adaptação ao contraposto sotavento", acrescentando "Português barlavento e balravento desde cerca de 1550. Junto a estas formas empregou-se en português : navegar de ló, meter de ló, sofrer de ló ´barlaventear`, que segundo [Cândido de] Figueiredo e Moraes aparecem em autores dos séculos XVI-XVII, como Diogo de Couto (comp. botaló, s.v. botar)"; a cognação portuguesa registra abalravento, abalroa, abalroação, abalroada, abalroadela, abalroado, abalroador, abalroamento, abalroante, abalroar, abalroável; balravento, balroa, balroação, balroada, balroadela, balroador, balroamento, balroar; barlaventeado, barlaventeador, barlaventear, barlaventejar, barlaventista, barlavento; desabalroado, desabalroador, desabalroamento, desabalroante, desabalroar, desabalroável.

Pergunta:

Qual a diferença entre «conservação dum equipamento» e «manutenção» do mesmo?

Resposta:

Do ponto da linguagem mais corrente, a diferença é mínima, em referência a equipamentos e espaços (edificados ou não):

– o termo conservação evoca o bom estado do equipamento ou do espaço em apreço – ou seja, o termo refere-se à integridade da coisa conservada;

– o termo manutenção refere-se ao que se faz para um equipamento estar capaz de funcionar ou um espaço ter condições de utilização – ou seja, o termo remete para a funcionalidade daquilo que é objeto de manutenção.

Pergunta:

Gostava de saber o significado (presumo ser calão) de «mulher gaioleira», porque ouvi a frase «aquela gaioleira que mora ali em frente».

Muito obrigado.

Resposta:

Nas fontes de que disponho, encontro gaioleiro, quer com o significado de «aquele que faz ou vende gaiolas» (Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora) quer na aceção de «construtor de prédios que edifica em más condições de solidez» (Guilherme Augusto Simões, Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, 1993). Talvez gaioleira venha daqui, eventualmente usado no sentido «pessoa pouco séria».

Observe-se que no Dicionário de Calão de Eduardo Nobre (Dom Quixote, 1986, p. 81) se define gaiola como «[p]risão; cadeia; masturbação; copo de dois decilitros.»; ou seja, pode supor-se que um gaioleiro é também o que pratica a masturbação. Esta aceção é mesmo associada ao uso obsceno de gaioleiro num blogue. Sendo assim, a palavra será sinónima de outro termo obsceno, punheteiro, isto é, «homem que costuma masturbar-se» (Dicionário Houaiss). É, pois, provável que gaioleira replique de alguma forma as aceções destes usos pejorativos ou obscenos da forma gaioleiro, e seja usado na frase em questão como uma referência de caráter insultuoso. Refira-se também que, em galego, as formas gaioleiro e gaioleira são adjetivos relativos à pessoa «que atrae pola súa simpatía, polo seu encanto etc.» e «[acción, mirada, sorriso etc.] propio dunha persoa gaioleira» (

Pergunta:

Gostaria de saber se o verbo apaixonar, quando não pronominal, pode ter como agente uma pessoa, a saber: «O professor apaixonou a aluna.» Existe registro em nossos cânones cultos dessa construção, ou o sujeito de apaixonar, como verbo transitivo direto, é sempre uma "coisa"? Afinal, o registro de «pessoa apaixonando pessoa» faz parte do português?

Obrigado!

Resposta:

É possível mas pouco frequente o uso causativo de apaixonar com um sujeito realizado por uma expressão nominal cujo núcleo é um substantivo referente a pessoa e cujo complemento direto constitui o alvo da paixão dessa pessoa. As poucas ocorrências exemplificativas desse uso, encontramo-las, por exemplo, em Camilo Castelo Branco:

1.  «Esse rapaz foi para a corte com o pai... foi ele então quem na* apaixonou... – Foi. Há quem os visse no bosque de amieiros da Ínsua, defronte da Granja» (Camilo Castelo Branco, Maria Moisés, no Corpus do Português).

2. «apaixonando as meninas aristocratas e campando de as pôr em rivalidade» (Camilo Castelo Branco, Os Demónios, em apaixonar no dicionário da Academias das Ciências de Lisboa).

Mas também é possível encontrar algumas ocorrências no português mais recente:

3. «Personagens que interessam, apaixonam, emocionam e podem levar o público a rir e a chorar, por eles e com eles» (1997, Corpus do Português).

Bem mais corrente é o sujeito de apaixonar causativo (e não pronominalizado reflexivamente) não se referir diretamente a pessoas:

4. «Os casos concretos das redes de pequenos "peixes", vamos encontrá-los no têxtil, na região de Prato, na Itália – a mesma "Itália do Meio" que apaixonou Michael Porter para o seu modelo de "clusters" industriais [...]» (O novo fôlego da Sloan School, 1997, Expresso, no Corpus do Português).

* A forma na corresponde à ocorrência do artigo definido depois de palavra terminada em nasal (no cas...

Pergunta:

Mais uma vez recorro ao vosso site, que tantas vezes me tem elucidado quando não consigo saber, quer recorrendo ao material que tenho, quer recorrendo a pessoas conhecidas, a maneira mais correcta de escrever e/ou falar.

Neste caso, coloco-vos a seguinte questão: qual a palavra que se deve seguir a desconhecido? De ou por?

Uma determinada coisa é desconhecida quer «de fulano» quer «de sicrano»? Ou uma determinada coisa é desconhecida «por fulano» ou «por sicrano»?

Resposta:

Segundo o Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos, de Almeida Fernandes, são possíveis as duas preposições:

(1) «Por esse tempo nada testemunha a palavra gaúcho, desconhecida DOS cronistas primitivos.» (João Ribeiro, Curiosidades Verbais, 143).

(2) «É um contrato, em que o povo não se desafora da sua soberania; e, no dia em que esta é formal ou praticamente desconhecida PELA outra... está quebrado o pacto» (Rui, Queda do Império, I, 192).