Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Ouvi na TV uma apresentadora perguntar: «Acha que as pessoas mais novas são mais cultivadas?»

Pode dizer-se «cultivadas» acerca das pessoas?

Obrigada.

Resposta:

Pode usar-se cultivado/cultivada no sentido de «(pessoa) que possui muitos conhecimentos, grande cultura» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Quando era rapaz pequeno ouvia na minha terra (Amorim, Póvoa de Varzim) dizer que fulano ou fulana era "magorreiro(a)". O sentido era de «ternurento», «amável». Por mais que procure não encontro qualquer palavra nem qualquer coisa parecidas.

Será que existe a palavra ou algo parecido?

Obrigado.

Resposta:

Nas fontes a que tenho acesso, não encontro registo de "magorreiro".

No entanto, assinalo a existência do topónimo Herdade do Magorreiro, em Portalegre. E existe um topónimo que, não tendo exatamente a mesma forma, poderia pela fonética e pela morfologia ter algo que ver com a palavra: Magarreiro, em Armamar (Viseu) e no Alandroal (Évora). E regista-se magarreiro como designação de uma «espécie de machado, usado para cortar as raízes das azinheiras e de outras árvores» (Vítor Fernando Barros e Lourivaldo Martins Guerreiro, Dicionário de Falares do Alentejo, Lisboa, Âncora Editora, 2013).

Posso também supor que "magorreiro" é uma amálgama de outras palavras, que têm significado afim: em Trás-os-Montes, mogueiro, «preguiçoso, indolente» (Vítor Fernando Barros, Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro, Lisboa, Âncora Editora/Edições Colibri, 2006); ou, na Beira Alta (Sabugal), mangorra, como nas expressões «estar com mangorra" (= «com preguiça») e «fazer mangorra», ou seja, «perder tempo» (cf. Tesouro do Léxico Patrimonial Galego e  Português.; mangorra também é conhecido no Alentejo, conforme registam Vítor Fernando Barros e Lourivaldo Martins Guerreiro, op. cit.).

Poderia ainda pensar-se que "magorreiro" fosse resultado da desnasalização do a de uma forma não atestada como *mangorreiro, cujo significado poderia ter sido na origem «aquele que perde tempo com amabilidades». No entanto, não encontro informação que confirme esta minha hipótese. Mesmo assim, assinalo, no dicionário da...

Pergunta:

«A concepção do anunciado plano é qualquer coisa de muito complexo», ou «a concepção do anunciado plano é qualquer coisa de muito complexa»?

Em termos de concordância parece-me a segunda opção a mais correcta, no entanto, não me soa bem... Instintivamente vou pela primeira opção... O que estará correcto?

Resposta:

Depois das expressões «qualquer coisa de...» e «algo de...», usa-se a forma substantivada do adjetivo no masculino, como se observa no seguinte caso: «Há qualquer coisa de estranho» (e não *«há qualquer coisa de estranha»). Sendo assim, deve escrever «há qualquer coisa de complexo».

Pergunta:

Barlavento é da família de barco?

Obrigada.

Resposta:

Barlavento não é da família de palavras de barco.

Segundo o Dicionário Houaiss, barlavento tem origem controversa, mas é palavra que apresenta uma variante do radical balr-. De acordo com a mesma fonte, este radical pode descrever-se do seguinte modo (traduziram-se as passagens em espanhol): «antepositivo, sobre o qual Corominas diz (s.v. barlovento): "´parte donde vem o vento`, origem incerta; há relação com barloar, ´vir por barlavento`, e com o antigo loo, ´barlavento`: este foi tomado do escandinavo lôf, idem, por via do francês lof; a locução francesa venir par lof por influxo do sinónimo castelhano venir de bolina; de barloo derivaria barloar, e de barloo sairia também barlovento por adaptação ao contraposto sotavento", acrescentando "Português barlavento e balravento desde cerca de 1550. Junto a estas formas empregou-se en português : navegar de ló, meter de ló, sofrer de ló ´barlaventear`, que segundo [Cândido de] Figueiredo e Moraes aparecem em autores dos séculos XVI-XVII, como Diogo de Couto (comp. botaló, s.v. botar)"; a cognação portuguesa registra abalravento, abalroa, abalroação, abalroada, abalroadela, abalroado, abalroador, abalroamento, abalroante, abalroar, abalroável; balravento, balroa, balroação, balroada, balroadela, balroador, balroamento, balroar; barlaventeado, barlaventeador, barlaventear, barlaventejar, barlaventista, barlavento; desabalroado, desabalroador, desabalroamento, desabalroante, desabalroar, desabalroável.

Pergunta:

Qual a diferença entre «conservação dum equipamento» e «manutenção» do mesmo?

Resposta:

Do ponto da linguagem mais corrente, a diferença é mínima, em referência a equipamentos e espaços (edificados ou não):

– o termo conservação evoca o bom estado do equipamento ou do espaço em apreço – ou seja, o termo refere-se à integridade da coisa conservada;

– o termo manutenção refere-se ao que se faz para um equipamento estar capaz de funcionar ou um espaço ter condições de utilização – ou seja, o termo remete para a funcionalidade daquilo que é objeto de manutenção.