Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Antes de mais, gostaria de elogiar a utilidade deste vosso projecto, que me tem ajudado bastante ao longo dos anos em que tenho vindo a estudar.

[Uma questão], que espero que me possam esclarecer: retificar e ratificar são, indiscutivelmente, palavras antónimas, ou há a possibilidade de se considerar que não o são?

Obrigado, antecipadamente, pela vossa resposta.

Resposta:

Retificar (ou, em Portugal, rectificar, antes do novo acordo ortográfico) e ratificar são mesmo palavras diferentes, mas não propriamente antónimas, porque os seus significados não são opostos nem contrários; digamos que não significam a mesma coisa e, por isso, são simplesmente contrastantes. Segundo o Dicionário Houaiss, estes verbos têm sentidos e etimologias diferentes:

(1) retificar: «emendar, corrigir»; «radical do latim rectus, a, um, "regido, governado, direito, reto, direto" + -i- + -ficar»;

(2) ratificar: «confirmar, validar»; «latim medieval ratificare, do radical de ratum, supino de reor, reris, ratus sum, reri, "contar, calcular" [...].»

Pergunta:

«Tomou-o um anjo nos braços.»

Qual a função sintática de «nos braços»?

Resposta:

No sentido de «segurar», o verbo tomar é usado de acordo com o esquema «segurar alguém/alguma coisa em [braços/mãos]» (ver tomar no Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, Lisboa, Texto Editora, 2007); ou seja, este verbo seleciona um complemento direto («alguém»/«alguma coisa») e um complemento oblíquo, ou seja, um complemento introduzido por preposição que não pode ser substituído pelo pronome lhe. Sendo assim e tendo em conta a frase em questão, direi que o complemento «nos braços» é um complemento oblíquo.

Pergunta:

Ouvi na TV uma apresentadora perguntar: «Acha que as pessoas mais novas são mais cultivadas?»

Pode dizer-se «cultivadas» acerca das pessoas?

Obrigada.

Resposta:

Pode usar-se cultivado/cultivada no sentido de «(pessoa) que possui muitos conhecimentos, grande cultura» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Quando era rapaz pequeno ouvia na minha terra (Amorim, Póvoa de Varzim) dizer que fulano ou fulana era "magorreiro(a)". O sentido era de «ternurento», «amável». Por mais que procure não encontro qualquer palavra nem qualquer coisa parecidas.

Será que existe a palavra ou algo parecido?

Obrigado.

Resposta:

Nas fontes a que tenho acesso, não encontro registo de "magorreiro".

No entanto, assinalo a existência do topónimo Herdade do Magorreiro, em Portalegre. E existe um topónimo que, não tendo exatamente a mesma forma, poderia pela fonética e pela morfologia ter algo que ver com a palavra: Magarreiro, em Armamar (Viseu) e no Alandroal (Évora). E regista-se magarreiro como designação de uma «espécie de machado, usado para cortar as raízes das azinheiras e de outras árvores» (Vítor Fernando Barros e Lourivaldo Martins Guerreiro, Dicionário de Falares do Alentejo, Lisboa, Âncora Editora, 2013).

Posso também supor que "magorreiro" é uma amálgama de outras palavras, que têm significado afim: em Trás-os-Montes, mogueiro, «preguiçoso, indolente» (Vítor Fernando Barros, Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro, Lisboa, Âncora Editora/Edições Colibri, 2006); ou, na Beira Alta (Sabugal), mangorra, como nas expressões «estar com mangorra" (= «com preguiça») e «fazer mangorra», ou seja, «perder tempo» (cf. Tesouro do Léxico Patrimonial Galego e  Português.; mangorra também é conhecido no Alentejo, conforme registam Vítor Fernando Barros e Lourivaldo Martins Guerreiro, op. cit.).

Poderia ainda pensar-se que "magorreiro" fosse resultado da desnasalização do a de uma forma não atestada como *mangorreiro, cujo significado poderia ter sido na origem «aquele que perde tempo com amabilidades». No entanto, não encontro informação que confirme esta minha hipótese. Mesmo assim, assinalo, no dicionário da...

Pergunta:

«A concepção do anunciado plano é qualquer coisa de muito complexo», ou «a concepção do anunciado plano é qualquer coisa de muito complexa»?

Em termos de concordância parece-me a segunda opção a mais correcta, no entanto, não me soa bem... Instintivamente vou pela primeira opção... O que estará correcto?

Resposta:

Depois das expressões «qualquer coisa de...» e «algo de...», usa-se a forma substantivada do adjetivo no masculino, como se observa no seguinte caso: «Há qualquer coisa de estranho» (e não *«há qualquer coisa de estranha»). Sendo assim, deve escrever «há qualquer coisa de complexo».