Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se existe alguma diferença no uso dos advérbios respeitosamente e atenciosamente no fecho de uma carta formal no português europeu.

No Brasil, por exemplo, o Manual de Redação da Presidência da República estabelece o emprego de dois fechos diferentes para todas as modalidades de comunicação oficial:

a) para autoridades superiores, inclusive o Presidente da República: «Respeitosamente»;

b) para autoridades de mesma hierarquia ou de hierarquia inferior: «Atenciosamente».

Desde agradeço a atenção dispensada.

Resposta:

Em Portugal, usam-se geralmente fórmulas como «Com os melhores cumprimentos» ou «Cumprimentos», mesmo em ofícios, ou seja, na correspondência administrativa interna1.

Na correspondência de caráter mais comercial, emprega-se também «Atentamente» e «Atenciosamente».

 

1 Ver exemplos de escrita burocrática em Falar Melhor, Escrever Melhor (Lisboa, Seleções do Reader's Digest, 1991, pp. 258-264). Consultar também José Calvet de Magalhães, Manual Diplomático, (Lisboa, Editorial Bizâncio, 2005, pp. 138-144).

Pergunta:

Quanto ao verbo terminar, em português europeu padrão se diz «terminar por», à semelhança de «acabar por» ou terminar seguido de gerúndio, por exemplo:

«Ele terminou confessando a verdade.»

«Ele terminou por confessar a verdade.»

Muito obrigado!

Resposta:

No português de Portugal, tem preferência a construção «terminar por» seguida de infinitivo, à semelhança de «acabar por»: «terminou por confessar» = «acabou por confessar».

Contudo, é preciso notar que a construção terminar + gerúndio («terminou confessando») pode tornar-se ambígua, confundindo-se com um outro uso, o do verbo terminar seguido de um gerúndio pra exprimir o modo como termina um discurso ou uma intervenção:

(i) «Com pavor triste, recordava os piores tempos do Absolutismo, a inocência soterrada nas masmorras, o prazer desordenado do Príncipe, sendo a expressão única da Lei! E terminava perguntando ao Governo se cobriria este seu agente [...]» (António Patrício, Serão Inquieto, 1910, in Corpus do Português)

Pergunta:

«Questões de consciência e de representação do espaço foram elaboradas e assimiladas, [ao largo dos / ao longo dos] séculos XIX e XX, para a definição concreta e imaginária do território como fundamento de soberania do Estado nação.»

Ambas as expressões são equivalentes no sentido temporal?

Obrigado!

Resposta:

A forma portuguesa da locução prepositiva em apreço é «ao longo de», tanto em sentido espacial como sem sentido temporal.

A locução «ao largo de» tem outros significados, como evidencia os dicionários elaborados no Brasil e em Portugal – por exemplo:

«ao largo de: fora de, longe de, a distância. Ex.: "ao largo do litoral"; "ele se manteve ao largo das disputas".» (Dicionário Houaiss)

«ao largo de locução prepositiva "no mar, frente às costas de": O navio está ancorado ao largo da ilha de São Miguel. «Restam navios que passam ao largo da costa, demasiado longe para que sejam reais.» (J. De Melo, Gente Feliz, p. 484) «pelo menos oito países árabes deverão participar, no próximo mês, em manobras navais conjuntas promovidas pelo Canadá, que se realizarão ao largo das costas da Tunísia.» (Expresso, 25.2.1995).» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa)

Assinale-se, no entanto, que largo pode adjetivalmente substituir longo, como intensificação em certos contextos:

«5. que é demorado; sinónimos: dilatado; duradouro; longo – Estiveram ao telefone mais de duas horas, numa larga conversa. Voltou à terra depois de larga ausência no Brasil. Conseguiram o que queriam depois de largos esforços.» (ibidem).

Pergunta:

Em muitas localidades alentejanas diz-me "estiverem", "ficarem", "forem", em vez de estiveram, ficaram, foram.

No meu entender são erros de português, no entanto, gostaria de saber se de alguma forma tal forma de falar pode ser considerada característica do sotaque alentejano.

Obrigada!

Resposta:

A troca da terminação -am por -em é típica de muitos falares regionais de Portugal – não é exclusiva do Alentejo.

Encontra-se, por exemplo, na Estremadura, no Algarve e nos Açores. É um traço dialectal, que a língua padrão não aceita, mas que se encontra descrito na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, p. 124-126)1:

«No campo da morfologia verbal, os dialetos (portugueses) revelam alguma tendência a fazer convergir as terminações das diferentes conjugações, novelando-as preferencialmente com as terminações próprias da 2.ª conjugação (infinitivo terminado em -er), em vários tempos e pessoas, a que correspondem diferentes distribuições geográficas [...]:

[...] (iii) As terminações em -am da 3.ª pessoa do plural do presente e do pretérito imperfeito do indicativo dos verbos da 1.ª conjugação tendem a convergir em -em, terminação da mesma pessoa e dos mesmos tempos dos verbos da 2.ª e da 3.ª conjugações [...]:

(39) a. (Falando de lobos) os animais... aqueles... o hábito... quando é para morder procurem o pescoço. (ALEPG, Cabeço de Vide, Portalegre)

       b. Naquele tempo era a saia ali junto do pé! Se uma pessoa visse ali por cima [...] do artelho começava dormente, [...], se visse o joelho, desnorteava! Agora... andem nuas, ninguém liga! (ALEPG, Porches, Faro [...]

       d. Não sei como é que eles apanhem aquilo. (ALEPG, Rabo de Peixe, Açores) [...]

       f. Eles plantem no jardim. (ALEPG, Porto da Cruz, Madeira)»

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Pergunta:

Muito agradeço o vosso valioso trabalho que julgo extremamente importante.

Gostaria que tirassem a minha dúvida quanto às formas Exmo. e «Ao Exmo.» no cabeçalho de uma carta formal. O problema é o seguinte:

Pelo que notei, em cartas formais brasileiras escreve-se no cabeçalho «Ao Exmo. Sr. etc.» (destinatário), enquanto em cartas formais em português europeu se escreve no cabeçalho: «Exmo. Sr. etc» (destinatário).

Qual é forma mais correta: «Ao Exmo. Sr.» ou «Exmo. Sr.» no cabeçalho?

Desde já agradecido!

Resposta:

As formas que são apresentadas na pergunta estão corretas, mas o seu uso pode depender de tendências existentes em cada país.

No caso de Portugal1, em manuscritos, é (ou era) hábito identificar o destinatário apenas como «Ex.mo Senhor» – ou «Exmo. Senhor» –, seguido do nome e/ou do cargo da pessoa em questão, sem encimar o tratamento de "Ao"2.

Exemplo:

(1) Exma. Senhora
     Presidente do Camões, I. P.

Quando se trata de carta dirigida a uma instituição, sem indicar individualmente o destinatário, emprega-se Ao ou À e por baixo escreve-se o nome da instituição. Exemplos:

(2) Ao
     Camões. I. P.

(3) À
     Fundação Calouste Gulbenkian

 

Regista-se com satisfação o apreço do consulente pelo trabalho aqui desenvolvido.

 

1 Foi consultado Falar Melhor, Escrever Melhor, Lisboa, Seleções do Reader's Digest, 1991, pp. 258-264.

2 Tal não impede que, em 04/12/1951, num bilhete de Salazar dirigido ao realizador Leitão de Barros, se leia «Ao Sr. Leitão de Barros» (ibidem, p. 251).