Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de ser esclarecida, se possível, relativamente aos vocábulos penicilina e vacina.

Poderá existir aqui uma relação de hiperónimo-hipónimo?

Obrigada.

Resposta:

Entre penicilina e vacina não existe uma relação lexical de hierarquia, entre um termo genérico (hiperónimo) e outro mais específico (hipónimo).

Na verdade, a penicilina é uma substância antibiótica (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa), e um antibiótico não é o mesmo que uma vacina.

Sendo assim, do ponto de vista das denominações usadas no campo lexical da medicina, o mais que se pode dizer é que penicilina é um hipónimo de antibiótico, e este termo é hiperónimo daquele. Vacina não é, portanto, hiperónimo de penicilina, nem este vocábulo é hipónimo daquele.

Pergunta:

Lendo o livro de Jó, capítulo primeiro, versículo 7, na Bíblia de João Ferreira de Almeida, eis que me deparo com a seguinte construção, a meu ver, pelo menos, atípica utilizando a preposição de em associação com o verbo vir (pelo menos com verbo no infinitivo):

«[...] E o Senhor disse a Satanás: "Donde vens?" E Satanás respondeu ao Senhor, e disse: "De rodear a terra, e passear por ela." [...]»

O meu questionamento é quanto à classificação da oração infinitiva introduzida pela preposição de, porque, a meu ver, esta oração expressa uma circunstância de lugar, como por exemplo equivalendo ao uso do substantivo roda ou da vigília do mundo . E, assim do ponto de vista sintático, esse substantivo em conjunto com a preposição formaria um adjunto adverbial expressando circunstâncias de lugar, o que me leva a deduzir que a referida oração infinitiva poderia ser classificada como adverbial de lugar.

Estou errado? Existe uma outra explicação para o fato?

Obrigado.

Resposta:

Como já tem sido observado noutras respostas, nem sempre é possível emitir juízos sobre a gramaticalidade de usos do passado, porque o funcionamento pretérito da língua pode ser diverso do funcionamento contemporâneo.

Mesmo assim, o exemplo em questão é interpretável à luz da contemporaneidade, como construção de valor aspetual perfetivo, que é próxima de acabar + infinitivo e conjuga o valor locativo de onde com a noção de origem do movimento associada ao verbo vir . Esta construção, que alguns puristas consideravam galicismo, encontra-se no português século XVI, portanto, antes de o impacto da língua francesa se ter feito sentir:

(1) «Ficai aqui com esta gente, e não façais muito rumor, que eu quero ir ver o que este viu, que me parece sonho, porque ele vem de dormir debaixo do pé de ûa árvore.» [João de Barros, Décadas (Década Terceira, livros I-X), in Corpus do Português].

Sobre esta construção lê-se no Dicionário Houaiss:

«[...] seguido de gerúndio ou de a ou de + infinitivo, funciona como verbo auxiliar, exprimindo "ocorrência de ação" (aspecto incoativo) [...]: a tardinha vinha caindo; a afta veio a formar-se depois que feri a gengiva; e se ele vier a procurá-la de novo?; Laura vinha exatamente de se desfazer daquelas roupas [...].»

Esta construção permite, por conseguinte, exprimir uma ação recém-terminada, construindo-a me...

Pergunta:

Como ordeno alfabeticamente as palavras avó e avô?

Resposta:

Não foi aqui possível identificar regra para esclarecer a questão, e o presente parecer baseia-se na consulta de vários dicionários.

A consulta de vários dicionários permite observar que atualmente se tende a colocar a forma com acento agudo – avó – antes da forma com acento circunflexo – avô (cf. Dicionário Houaiss e dicionário impresso da Academia das Ciências de Lisboa). Dicionários mais antigos apresentam avô antes de avó, talvez porque se dava prioridade às formas do género masculino (cf. Morais, 10.ª edição e dicionário de Cândido de Figueiredo).

Pergunta:

Qual a significação da palavra aceiro na designação de ruas?

Na Margem Sul [na região de Lisboa], já encontrei exemplos do referido uso da palavra: veja-se «Aceiro Francisco Silvestre», nos arredores de Pinhal Novo. Quer dizer que houve lá uma clareira?

Obrigado.

Resposta:

Aceiro pode ter vários significados, mas, quando convertido em topónimo, o mais plausível é que essa conversão tenha origem no uso da palavra na aceção de «faixa de terreno limpa de vegetação que atravessa ou rodeia propriedades, pinhais, campos cultivados, matas espessas, para evitar a propagação de incêndios e facilitar as comunicações» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

Como termo usado na denominação de arruamentos, é possível apurar que há uma particular concentração de usos toponímicos de aceiro na freguesia de Pinhal Novo1, no concelho de Palmela, havendo também ocorrências um pouco mais a norte, no concelho de Montijo. Para elaboração desta resposta, não se encontrou explicação cabal para este facto, mas é possível que aceiro se tenha fixado na toponímia de Pinhal Novo como reflexo de uma antiga situação, em que a região tinha exploração florestal ou agrícola.

1 O uso mais tradicional parece incluir o artigo definido: «moro no Pinhal Novo». No entanto, em situações e denominações formais, o topónimo ocore sem artigo definido: «Junta de Freguesia de Pinhal Novo». Consultar a resposta "O topónimo Pinhal Novo e o uso de artigo definido" (20/05/2013), do consultor Rúben Correia.

Pergunta:

Gostaria de saber se o advérbio insinuadamente existe ou se é apenas um regionalismo ou uma forma coloquial de dizer «de forma insinuada». Consultei alguns dicionários, porém, não o encontro. No motor de busca do Google, remetem-me para insidiosamente...

Agradeço desde já a vossa resposta e aproveito para vos dar os parabéns pelo vosso árduo trabalho.

Resposta:

É um advérbio possível e bem formado, que tem uso tanto em Portugal como no Brasil, como se pode confirmar por uma pesquisa Google. Não é propriamente sinónimo de insidiosamente, porque este advérbio de modo relaciona-se com insidioso, sinónimo de enganador e traiçoeiro.

Saliente-se que os advérbios acabados em -mente, como se formam geralmente de forma muito intuitiva, nem sempre aparecem registados exaustivamente nos dicionários. É também este o caso de insinuadamente, que significa «de modo insinuado» e deriva de insinuada, forma de particípio passado do verbo insinuar, «sugerir subtilmente» e «captar simpatia junto de alguém» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e Dicionário Houaiss).

Note-se, porém, que mais corrente são o adjetivo insinuante e insinuantemente, os quais não são exatamente sinónimos de insinuado/insinuada e de insinuadamente. Com efeito, insinuante é sinónimo de cativante, sedutor, atraente, e, portanto, insinuantemente significa «de forma insinuante, cativante, sedutora». Registam-se ainda os adjetivos insinuativo e insinuoso, sinónimos de insinuante, embora se prestem a defin...