Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostava de saber se existe a palavra "primitividade" e/ou "primitivabilidade".

A segunda costuma ser usada no contexto da matemática. Estava a ponderar a possível utilização da primeira forma e se a segunda estaria mesmo correta.

Resposta:

As duas palavras estão corretas.

A primeira tem registo no Dicionário Aulete, nas seguinte aceções:

«s. f. || qualidade, estado de primitivo: A mesma primitividade, avara de costumes. ( Fialho , Gatos , IV, p. 255.) O rei conhece-os, sabe-lhes os méritos guerreiros e a rude primitividade quase bárbara. (Augusto Casimiro, Lisboa Mourisca, p. 81.) F. Primitivo.»

A segunda, primitivabilidade, é termo especializado das ciências matemáticas que deriva de um termo da mesma área, primitivável, por sua vez formado por sufixação com base em primitiva, «função cuja derivada reproduz a função original; antiderivada» (Infopédia).

No entanto, não se encontrou indicação de que primitividade e primitivabilidade funcionem como sinónimos no campo da matemática.

Pergunta:

"Via-Sacra" deve escrever-se com maiúsculas ou com minúsculas – "via-sacra"?

Muito obrigado pelo esclarecimento que me possam dar.

Resposta:

Quando se refere a Paixão de Cristo, escreve-se Via Sacra, com maiúsculas iniciais.

Quando se trata da série de 14 estações que representam a Via Sacra e que se encontram num dado percurso ou no recinto de uma igreja, ou se refere o exercício, de significado espiritual, de as percorrer, recomenda-se via-sacra, com minúscula iniciais e hífen.

Pergunta:

Parabéns pelo excelente trabalho do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa!

Desejo saber qual é o gentílico para o natural de Bereia, antiga cidade macedônica mencionada na Bíblia, no livro de Atos (17:11).

Encontrei "bereano" e "bereiano" escrito, mas nada em dicionários.

Desde já, agradeço a resposta.

Resposta:

O gentílico de Bereia pode ter as seguintes formas, de acordo com as fontes de que dispomos: bereeu/bereeia ou bereense (forma comum aos dois géneros).

Não é impossível a forma "bereano", mas não encontramos registo dela e, portanto, não a recomendamos.

São erróneas formas como "bereieu", "bereiense" e "bereiano".

Pergunta:

Estava escrevendo um texto jurídico e precisei do substantivo cognato do verbo decorar (no sentido de «memorizar») e me deparei com decoração, que seria ali interpretado como «enfeitar» e poderia causar um grande mal-entendido, pois pareceria deboche.

Poderia explicar a etimologia desta palavra e como tomou sentidos tão diversos?

Sei que decorar («memorizar») vem do latim "de cor", por que acreditavam, à época, que o coração guardava as memórias, e que decorar («ornar») também vem do latim decorare, «pôr cor em algo».

Mas como essas duas palavras caminharam para se tornar uma só, se têm sentidos tão opostos? E decoração poderia ser usado como substantivo cognato de decorar («memorizar») ou é defectivo neste sentido?

Obrigado.

Resposta:

São palavras diferentes, embora tenham a mesma forma, razão por que se diz que são palavras homónimas. A diferença está no significado e na etimologia:

Decorar, «memorizar», tem origem na conversão em verbo da locução «de cor», que significa «de memória» (cf. «saber de cor» = «saber de memória»). A expressão «de cor» não vem diretamente do latim, como supõe o consulente; é provavelmente uma criação medieval, com base na forma cor, um sinónimo de coração que vem do latim cor, cordis («coração»)1. O substantivo que corresponde a decorar é decoração, mas esta forma pouco se usa no sentido de «memorização».

Decorar, «ornar, enfeitar», não se relaciona com o latim cor, cordis («coração»). Na verdade, provém do verbo latino decoro, as, avi, atum, are, «ornar, enfeitar, honrar, dignificar», um verbo derivado do substantivo também latino decus, decoris, «enfeite, ornato», que deu "decorum", que evolui para decoro em português. O substantivo que corresponde a decorar («ornar, enfeitar») é decoração, que tem uso corrente.

 

1 Não é de excluir que cor (com o aberto) seja um empréstimo do occitano medieval literário, também conhecido como provençal.

Pergunta:

Numa visita à Citânia de Briteiros, passei por uma povoação chamada Donim.

Qual é a origem deste nome de lugar?

Resposta:

O topónimo Donim terá origem no nome de pessoa latino *Domninus ou na sua variante *Donninus1.

Aceita-se que este nome tenha tido uso significativo na Alta Idade Média, no noroeste peninsular, visto encontrar-se atestado em documentos asturianos do século IX e, em Portugal, pelo menos, a partir de meados do século XI2.

O topónimo foi provavelmente criado com base na forma Domnini/Donnini, genitivo do nome em apreço, subentendendo o termo latino villa. De «(villa) Domnini» ou «(villa) Donnini», evoluiu, portanto, Donim, provavelmente por queda do -n- simples intervocálico da terminação -ini, seguida de crase: Domnini/Donnini > Donĩi > Donim.

Em Portugal, com a mesma etimologia, conta-se Donim, sobre o rio Paiva, na freguesia de Alvarenga, no concelho de Arouca. Também na Galiza, com a mesma origem, regista-se Donín: um no concelho de Becerreá, na província de Lugo; e outro na Corunha, no concelho de Paderne. Trata-se, portanto de topónimos cognatos, ou seja, topónimos que evoluíram do mesmo étimo.

 

1 José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2003, s. v. Donim.O * indica que a forma apresentada não se encontra atestada nem nas inscrições nem na documentação medieval.

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