Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é mais correto: aceleração ou aceleramento?

Resposta:

As duas formas estão corretas e dicionarizadas, mas aceleração é mais frequente do que aceleramento, apesar de ambos os vocábulos serem sinónimos, significando genericamente «ato ou efeito de acelerar-(se)» e «aumento progressivo de velocidade ou movimento». Verifica-se que aceleração é mais usado, por exemplo, por meio de uma consulta do Corpus do Português (coordenado por Mark Davies e Michael Ferreira), o qual faculta 286 ocorrências desta palavra, contra apenas 4 de aceleramento. Poderia pensar-se que aceleração se relaciona mais com o funcionamento de máquinas, mas exemplos retirados da mesma fonte levam a concluir que não é assim e que tanto aceleração como aceleramento se associam, por exemplo a palavras como processo.

Acrescente-se que a investigação linguística aponta a tendência de os nomes terminados em -ção suplantarem atualmente os nomes acabados em -mento: «Nos  nomes  de  acção,  é  frequente apontar-se o aumento de disponibilidade de  -ção,   em   detrimento   de   -mento, justificando esta situação com o aumento de disponibilidade das verbalizações em -izar, as quais, por sua vez, suplantaram as em -ificar» (Maria do Céu Caetano, "Rivalidade sufixal e polissemia", Cadernos WGT – Polissemia, dez. 2008, p. 29).

Pergunta:

Enquanto lia um artigo no jornal Expresso surgiu-me uma dúvida que ainda não consegui esclarecer, referente à retoma do pronome cujo, nem sempre apropriada em todas as ocasiões. Destarte, proponho a seguinte frase: «É uma forma de assinalar os 20 anos de carreira literária através de uma panorâmica dos livros já escritos pelo autor de “A Máquina de fazer espanhóis”, para cuja nova edição Caetano Veloso escreveu um prefácio.».

Obrigado.

Resposta:

O determinante relativo cujo (cf. Dicionário Terminológico) pode ser precedido de preposição, como os pronomes relativos.

Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 350), abonam a inclusão de cujo em grupos preposicionais, isto é, constituintes frásicos introduzidos por preposição (manteve-se a ortografia do original consultado; sublinhado nosso):

1. «Herculano é para mim, nas letras, depois de Camões, a figura em cujo espírito e em cuja obra sinto com plenitude o génio heroico de Portugal.»

Também na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pág. 2099) se observa que cujo ocorre em constituintes introduzidos por preposições:

«O constituinte relativo que contém cujo pode ter funções sintáticas diversas na oração relativa:

(81) a. Encontrei um rapaz cujas primas são minhas alunas. [sujeito]

       b. O meu gato, cujo nariz o irmão arranhou, está doente. [complemento direto]

       c. Turim é uma cidade de cuja arquitetura barroca gostei muito. [complemento oblíquo]

       d. O meu casaco, em cuja lapela entornei uma chávena de café, fiou estragado. [adjunto adverbial locativo] [...].»

Como se verifica pelos exemplos c e d da citação, cujo participa d...

Pergunta:

A expressão inglesa dog-whistle politics («política do apito do cão» – alusão ao som alto emitido por um apito, o qual só um cão consegue ouvir) é sobretudo usada nos EUA quando, na mensagem política, são empregados termos e conceitos aparentemente inócuos, mas potencialmente controversos, e que apenas uma porção (fação) do eleitorado compreende e identifica, deixando a maioria na ignorância ou com uma ideia muito diferente.

Por exemplo, a atual candidata à presidência dos EUA, Hillary Clinton, diz que o seu adversário, Donald Trump, sobrevive à custa dessa prática política, referindo ainda que a dog-whistle politics não é solução para os problemas da América, e muito menos do mundo.

Considerando que política do apito do cão não seria entendível, pois não vigora (ainda) na linguagem corrente (nos países de língua inglesa, quando começou a ser usada há cerca de uma década, careceu de explicação por parte dos meios de comunicação social), pergunto: seria aceitável traduzir-se por «política demagógica», «política da demagogia» ou «demagogice política», ou talvez outra expressão que pudessem sugerir?

Resposta:

As propostas de tradução do consulente parecem compatíveis com o sentido da expressão inglesa, embora percam o pitoresco metafórico associado. Podem com certeza procurar-se outras soluções: por exemplo,  juntar o adjetivo encapotado e criar «demagogia encapotada» ou «política demagógica encapotada». Para o espanhol, há quem proponha política para entendidos, expressão que, em português, não obstante ter a mesma forma e o mesmo significado, acaba por não coincidir com a locução inglesa. Em francês, encontra-se como equivalente «langage politique codé», o que pode sugerir em português «linguagem política codificada» ou «linguagem política em código», que se afiguram como equivalentes adequados de dog-whistle politics.

Cf. 8 palavras  que os ingleses nos roubaram

Pergunta:

Qual é a etimologia do nome Carmona?

Resposta:

O apelido Carmona parece ter origem no topónimo andaluz Carmona (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico, 2003). Segundo o Dicionário das Famílias Portuguesas (Quetzal Editores, 2010), de D. Luiz de Lencastre e Tavora, este apelido terá sido adotado por uma família do ramo dos Andrades (com origens no norte da Galiza). No entanto, J. Leite Vasconcelos, na sua Antroponímia Portuguesa (Lisboa, Imprensa Nacional, 1928, pág. 298), apoiando-se noutro autor (Brancaamp, Armaria...), observa que não há registo deste apelido antes do século XIX. Quanto ao topónimo Carmona, José Pedro Machado refere que tem origem pré-romana (embora nada diga sobre a possibilidade de uma etimologia exata) e que os Romanos o adaptaram ao latim como Carmōna (ou Carmo), para depois os árabes o usarem como qarmōna. Em castelhano, a forma é Carmona, que passou ao português praticamente sem alteração.

Pergunta:

Enquanto estudava História, reparei numa frase curiosa que figurava no manual, mas que não sei se está de acordo com a sintaxe do português europeu. Transcrevo apenas o essencial:

«... confiscação de patentes, como o caso da da aspirina.»

Conforme se pode ver, esta ocorrência da contração da preposição é estranha, embora desconheça o grau de similitude com a seguinte reformulação:

«Confiscação de patentes, entre as quais a da aspirina.»

Se, com efeito, o primeiro segmento for agramatical, gostaria de saber por que motivo, então, se pode censurar a coocorrência da contração, mas não a de «...a (patente) da aspirina» (reformulação).

Obrigado.

Resposta:

A sequência «da da» é gramatical e marca uma elipse, isto é, uma construção em que se subentende uma palavra ou um grupo de palavras:

1. «... confiscação de patentes, como o caso da (patente) da aspirina.»

Em 1, a primeira ocorrência de da, que é a contração da preposição de com o uso pronominal demonstrativo do artigo definido1 a (portanto, no sentido de aquela: «a que é da aspirina» = «aquela que é da aspirina; cf. Textos Relacionados), está associada à omissão (elipse) de patente. A sequência está, portanto, correta gramaticalmente.

Outra coisa é saber se estilisticamente ela se recomenda. Atendendo ao preceito de evitar repetições na mesma frase, sempre que possível, para mais quando as palavras repetidas estão muito próximas, é preferível não haver esse encontro e dar formulação diferente à sequência; por exemplo, a que propõe o consulente («Confiscação de patentes, entre as quais a da aspirina», que não significa exatamente o mesmo)2 ou ainda «... confiscação de patentes, sendo a da aspirina um caso».

1 N. E. (11/10/2016) – A resposta foi corrigida – onde se escrevia «uso demonstrativo do pronome pessoal a» passou a estar «uso pronominal demonstrativo do artigo definido a» – devido a um reparo do consulente João de Brito (Vila Real, Portugal), com o seguinte teor: «Os pronomes não estão associados a omissões. Os pronomes são substituições de pleno direito. Pelo que esse a não passa de um determinante: … como o caso "de a patente de a aspirina".» Reforçamos esta observação, que agradecemos, com uma citação d...