Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como devo escrever? «Metade dos inquiridos não concordou com a medida», ou «Metade dos inquiridos não concordaram com a medida»? «Um terço desses peritos não sabe do que fala» ou «Um terço desses peritos não sabem do que falam»? «Uma grande percentagem de portugueses fala inglês», ou «Uma grande percentagem de portugueses falam inglês»?

Muito grato.

Resposta:

Como se esclareceu já em várias respostas anteriores (cf. Textos Relacionados, ao lado), expressões como «metade de», «um terço de» ou «uma grande percentagem de» – chamadas expressões partitivas – a concordância pode ser feita no singular ou no plural – neste último caso, se a expressão que completar essas expressões de quantificação estiver no plural:

1. Metade/um terço/uma percentagem dos inquiridos não concorda com a medida.

2. Metade/um terço/uma percentagem dos inquiridos não concordaram com a medida.1

1 Há gramáticos que não consideram (e até contestam) a concordância com a expressão que é especificada e que se encontra no plural (p. ex., «dos inquiridos» em «metade dos inquiridos»), como acontece com José Neves Henriques nesta resposta. No entanto, são muitas as gramáticas que atualmente aceitam este tipo de concordância, feita com a expressão nominal mais próxima do verbo.

Pergunta:

"Hiroshima", ou "Hiroxima"? "Bangladesh", "Bangladeche" ou "Bangladexe"? Seria facultativo, nos casos em que a adaptação ao idioma é pouco usada, podendo dar preferência a forma consagrada ?

Resposta:

As formas portuguesas apresentadas na pergunta – Hiroxima, Bangladeche1 (ou até, Bangladexe) – têm registo em certos dicionários e vocabulários ortográficos, mas não são de emprego obrigatório. Observe-se, mesmo assim, que Hiroxima tem uso mais consolidado do que Bangladeche ou Bangladexe, formas portuguesas legítimas, cuja forma inglesa e internacional, Bangladesh, se tornou não obstante mais frequente.

1 Bangladeche é a grafia adotada pela Código de Redação Interinstitucional para o português usado no âmbito da União Europeia.

Pergunta:

Na comunidade médica é comum ouvir/ler-se o termo "esvazionamento" (no contexto, por exemplo, da exérese[*] de todo um grupo de gânglios linfáticos: «esvazionamento axilar»). Julgo que esteja incorrecto e apenas exista no léxico português o termo "esvaziamento". Correcto?

[*] Exérese: «remoção por cirurgia» (Dicionário Houaiss).

Resposta:

A palavra legítima nos discursos especializado e não especializado é sempre esvaziamento.

É verdade que começam a registar-se ocorrências de uma forma concorrente, "esvazionamento". No entanto, esta forma não é legítima, por pressupor um verbo que não se regista, "esvazionar" – e que, de resto, não se justifica, dada a disponibilidade de esvaziar.

Pergunta:

É lícito criar o topónimo "Burgo de São Pedro" para denominar a cidade russa "Sankt-Peterburg" ?

P.S.: Reconheço haver a forma "São Petersburg".

Resposta:

A forma portuguesa que se propõe na pergunta poderá ser uma tradução literal do nome – embora burgo, como palavra autónoma, não tenha exatamente o mesmo sentido de -burg1) –, mas não se usa nem tem registo nem dicionarístico nem enciclopédico. A forma do nome da cidade russa que se recomenda em português é Sampetersburgo (cf. Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966),  Também existe «São Petersburgo», forma que não se aconselha.

1 Como vocábulo independente, burgo pode significar «pequena cidade, vila». No entanto, como forma presa (dependente) tem sido muito produtiva nas formas portuguesas de cidades e regiões estrangeiras como Estrasburgo (Strasbourg, em francês, e Straßburg, em alemão), Edimburgo (Edinburgh, em inglês) e Meclemburgo (Mecklemburg, em alemão).

Pergunta:

Ouvindo na rádio uma reação ao falecimento da professora Maria Helena Rocha Pereira – por sinal, um dos seus ex-alunos na Universidade de Coimbra –, estranhei que se lhe tenha referido como «a Mestre». Mestre não faz o feminino mestra? Será que estamos aqui também em presença do mesmo tipo de resistência ao feminino poetisa e juíza, por exemplo?

Os meus agradecimentos pelo esclarecimento.

Resposta:

O substantivo mestre tem de facto o feminino mestra, e, em referência a uma mulher, é esta segunda forma que se emprega geral e corretamente. Contudo, pode também tornar-se legítimo usar mestre, por mestra evocar um sentido que pode não ser o mais adequado a certas situações.

Mestra é morfologicamente o vocábulo do género feminino que corresponde a mestre. Querendo encarecer alguém pelo seus ensinamentos em áreas da ciência ou da arte, dir-se-á, portanto, «um Mestre» e «uma Mestra». Contudo, a forma de feminino conheceu ao longo da sua história alguma especialização semântica, levando a fixar aceções como «professora que ensina crianças» e «mulher do mestre (de ofício)» (ver dicionário da Priberam), ainda que também ocorra com o sentido genérico de «professora» (ver dicionário da Porto Editora e dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). Além disso, observa-se que, como designação de um grau académico, se usa mestre para os dois géneros: «ele é mestre em Estudos Clássicos», «ela é mestre em Estudos Clássicos» (cf. dicionário da Porto Editora e Vocabulário Ortográfico do Português). Compreende-se, portanto, que haja falantes que prefiram mestre mesmo quando falam de uma pessoa do sexo femini...