Pergunta:
Tenho uma questão relacionada com as seguintes frases-exemplo: «Vê-se bem que o barco está à deriva»; «Isso faz-se muito bem»; «Conduz-se muito bem durante o dia». Qual a origem/lógica do uso do -se nos casos mencionados? Trata-se do uso de verbos reflexos (i.e. ver-se, fazer-se, conduzir-se)?
Confesso que a mim não me parece que seja o caso. Mas também não encontro uma explicação alternativa. Será que me podem elucidar sobre esta questão?
Obrigado.
Resposta:
O desenvolvimento do se reflexo como marca da voz passiva ou da indeterminação do sujeito é uma característica comum às línguas românicas, resultado de uma substituição bastante antiga, a de certas formas da conjugação passiva do verbo latino pelo uso do pronome reflexivo se no latim vulgar.
Assim, no latim, havia tempos que tinham formas sintéticas para a voz passiva. Por exemplo, para o português «sou amado», o latim tinha a forma amor; e para «era amado», havia a forma amabar. Em latim, a voz passiva tinha também formas analíticas para certos tempos: amatus sum significa «fui amado». Esta conjugação passiva foi substancialmente alterado no latim tardio e no latim vulgar; com efeito, toda a conjugação passiva passou a ter apenas forma analíticas: amatus sum passou a significar «sou amado», e amatus fui, «fui amado».
Porquê referir a estrutura da voz passiva em latim? Pela razão de a conjugação sintética permitir o uso da 3.ª pessoa em sentido indeterminado: amatur tanto podia significar «é amado» como «ama-se». Acontece que este uso da passiva sintética foi substituído – por um processo que ainda não está completamente esclarecido1 – por uma construção com o pronome reflexo: lauatur ~ se lauat (= «é lavado», «lava-se»). Nas línguas românicas, veio a prevalecer a construção com o pronome reflexo.
1 Leiam-se as primeiras páginas do artigo Construções com se. Mudança e var...