Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se há algum documento que comente que a manutenção do h em Bahia foi uma reivindicação dos baianos, conforme o escrito [na resposta "Bahia e baía: porquê?].

Resposta:

Para a elaboração desta resposta, não foi possível encontrar fontes que documentem a «reivindicação dos baianos», que, segundo Duda Guennes (falecido em 2011), teria levado a Academia Brasileira de Letras a permitir que forma Bahia fosse usada. No entanto, supõe-se que, segundo a crítica feita por Napoleão Mendes de Almeida (1911-1998), no seu Dicionário de Questões Vernáculas (1994), à legitimação da forma Bahia1, «um decreto de 1931 do estado baiano e a pessoal injunção do chefe da delegação brasileira do sistema de 1945, natural desse estado, é que nos impingiram essa vileza gráfica».

Sem hipótese de acesso ao referido «decreto de 1931 do estado baiano», consegue-se, no entanto, saber quem era «o chefe da delegação brasileira dos sistema de 1945», isto é, a pessoa que estava à frente da representação do Brasil nas negociações conducentes ao Acordo Ortográfico de 1945 (AO 1945): tratar-se-á de Pedro Calmon (1902-1985), que aparece identificado como presidente da delegação brasileira. No entanto, no texto das Bases Analíticas do AO 1945, não se encontra indicação de Bahia constituir a grafia correta do topónimo em apreço, o que poderá levar a pensar que, afinal, Pedro Calmon não terá interferido diretamente na imposiç...

Pergunta:

Receio não conseguir acompanhar, neste caso, a opinião já expressa pelo saudoso e ilustre vernaculista Dr. José Neves Henriques.

Contratual será referente à condição de uma ou mais premissas de um contrato a estabelecer, ou já estabelecido, de cujas cláusulas se ajuíza da sua validez, exequibilidade, pertinência, legalidade, etc., a fim de um dado contrato poder ser aceite, juridicamente e pelas partes contraentes. A verbalização conferida pelo sufixo [-iz(ar)] tem o propósito de indicar a ideia de fazer que uma acção seja praticada. E a ideia tem como base o contrato; e não contratual/contratualidade (>contratualizar), que será a circunstância/condição de um exercício.

Assim, parece-me que – declinando contratualizar – deverá ser contrat(o) + iz(ar) >> contratizar que se me afigura mais escorreito: «acto de estabelecer contrato». Quando muito, tentando "salvar" o que já existe, contratualizar será «estabelecer condições pelas quais as cláusulas de um contrato sejam conformes à legalidade e interesses». Destarte, contratualizar = «atribuir a condição exigível para que algo possua contratualidade». Aceito que contratar nem sempre tenha o sentido de contratizar, visto esta acepção ter uma vertente mais formal.

Terei alguma "ponta" de razão? [...]

O meu muito obrigado pela atenção que possam conceder a esta dúvida e opinião.

Resposta:

Do ponto de estritamente linguístico, observa-se que, sem contestar a boa formação de contratizar (não dicionarizado), não há razão para rejeitar o verbo contratualizar, no sentido de « fazer contrato de; pôr em contrato» [cf. dicionário da Porto Editora, na Infopédia; ver também o Dicionário Houaiss (2001), o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa] o qual, aliás, está fixado por vários dicionários e tem uso significativo. Este verbo deriva de contratual1, o mesmo que «relativo a contrato», entre outras aceções.

Importa realçar  igualmente que o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa regista contratual em duas aceções: na que já foi referida, «fazer contrato de; pôr em contrato», e na de «(aquilo) que está estipulado num contrato», aceção esta abonada na mesma fonte pelo seguinte exemplo: «As obrigações contratuais devem ser respeitadas pelas partes que assinaram o contrato». Sendo assim, contratualizar é definível quer como «passar a contrato», quer como «passar a estar definido em contrato», abarcando assim os significados que o consulente atribui, por um lado, a contratizar (como se disse, possível, mas não atestado nem em dicionário nem noutras fontes) e, por outro, a contratualizar.

Refira-se, por último, que há quem defenda (ver Textos Relacionado...

Pergunta:

Gostaria de saber a origem do termo «grande soda», quando queremos dizer que alguém é chato/melga.

Resposta:

Não parece haver dados que esclareçam cabalmente a origem da expressão «grande soda».

Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa (que é a 10.ª edição do chamado dicionário de Morais), inclui entre as várias aceções de soda (genericamente, em linguagem vulgar, o mesmo que carbonato de sódio) a de «pessoa maçadora, importuna» e «maçada» (ver também Afonso Praça, Novo Dicionário do Calão, Lisboa, Casa das Letras, 2005). Soda também poderá ocorrer por vezes como o mesmo que soda cáustica (hidróxido de carbono), produto que tem efeitos adversos à saúde humana. Neste contexto, a expressão «grande soda» seria, afinal uma metáfora, pela qual se encara alguém que nos é desagradável como algo de extremamente nocivo.

No entanto, José Pedro Machado, no seu Grande Dicionário da Língua Portuguesa – cuja nomenclatura e artigos são devedores da 10.ª edição do Morais – separa a entrada de soda, «carbonato de cálcio», da de soda, «pessoa maçadora», assim deixando supor que se trata de palavras homónimas, e não de duas aceções constituintes da polissemia de um mes...

Pergunta:

Descobri recentemente que o verbo chegar tem sua origem no verbo latino plicare (assim como o arrivare deriva de ad ripa > arripare). Plicare significava, então, «dobrar», que era exatamente a ação realizada quando os navios CHEGAVAM a terra: dobrar as velas, recolhê-las. Na época, havia já ao menos um verbo que devia significar literalmente «chegar», mas, mesmo assim, surgiu esse outro com sentido figurado, usado concomitantemente.

Dito isso, gostaria de saber qual teria sido a figura de linguagem praticada pelos falantes quando usavam plicare em vez de «chegar»? Metáfora ou metonímia? Outra?

Resposta:

Aceitando a etimologia referida pelo consulente, trata-se de uma metonímia, dado o verbo que marca a ação de recolher velas – plicare – substituir o que denota uma ação prévia, cronologicamente muito próxima, a de chegar, que, em latim clássico, podia ser expressa pelo verbo advenire, por exemplo.

No entanto, existe outra hipótese, que faz pensar antes num uso metafórico do verbo latino applicare, «dobrar», sentido extensível a «dobrar (o rumo) em direção», que evoluiu para «aproximar-se de, abordar, dirigir-se a, apoiar, aplicar (sentido físico e moral), juntar, ajuntar» (Dicionário Houaiss; ver também Joan Coromines e Antonio Pascual, Diccionario Crítico Etimológico Castellano e Hispánico, s. v. llegar). Deste verbo se deduziria mais tarde o que está na origem de chegar, plicare.

Pergunta:

Devemos escrever: «bola de carne» ou «bôla de carne»?

Resposta:

A grafia correta é bola.

Esta palavra, feminino de bolo, é homógrafa de bola, «esfera, balão». A diferença está na pronunciação: enquanto em «bola de carne» temos bola com o fechado, em «bola de futebol», temos na sílaba tónica um o aberto. Bola é, em várias regiões de Portugal, o que noutras se conhece por folar e denomina, portanto, um pão grande e doce (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa s. v. bola2). Uma «bola de carne» – ou, simplesmente bola – é «espécie de pão feito da massa do pão de trigo a que se acrescentam ovos e em que se dispõem camadas de presunto, salpicão e outras carnes (idem, ibidem).

Sendo bola uma palavra grave (paroxítona) que termina em -a, não é possível aplicar-lhe qualquer acento gráfico. As palavras paroxítonas só recebem acento gráfico quando terminam em -ã(s) (órfã), -ão(s) (órgão, benção), -eis (fósseis), --i(s) (táxi, lápis), -um, -uns ou -us (álbum, álbuns, húmus), -l ( amável, têxtil), -n (íman, plâncton), -r (ímpar, Tânger), -x (tórax), -ps (b...