Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

No novo acordo ortográfico, deve escrever-se "editor-executivo" ou "editor executivo"? A mesma pergunta faço para "editor-executivo-adjunto". Já vi a vossa resposta relativamente a "diretor-executivo", mas na minha redação surge permanentemente esta dúvida com a grafia dos editores...

Muito obrigada.

Resposta:

O tipo de composto em questão, formado por substantivo + adjetivo (eventualmente com mais um adjetivo), não tem tido uma grafia consistente. E o problema, se for resolúvel, não encontra resposta nem no atual acordo ortográfico (ler Base XV, 1) nem nos precedentes. Com efeito, aceitando o princípio de a hifenização se aplicar como sinal indicativo da autonomia e estabilidade do composto – diretor-geral terá uso enraizado e um significado próprio, não redutível às unidades lexicais diretor e geral –, reconheça-se que pode ser mínimo o contraste semântico da palavra composta com a simples associação em frase das unidades que a constituem.

Será aceitável a hifenização de compostos que incluam o adjetivo executivo, mas o emprego sistemático de tal sinal depende de uma opção editorial, e não da aplicação de um princípio ou critério claramente enunciados nos normativos ortográficos. Atendendo ao exemplo de diretor-geral (cf. Dicionário Houaiss e dicionário da Porto Editora), justifica-se o hífen em editor-executivo pelo seu uso recorrente na formação da denominação de cargos ou funções; por outras palavras. não se trata de apor o adjetivo executivo ao nome editor, mas, sim, de distinguir globalmente um cargo de outro, que se denomina apenas editor. Contudo, não é forçoso empregar tal sinal (consulte-se respostas aqui e

Pergunta:

Em textos jurídicos é muito utilizada a palavra "probando", para designar os factos que são objecto de prova no processo. Por exemplo: «Os factos probandos [a provar] são os seguintes: "O sujeito A vendeu ao sujeito B a coisa C?"»

Porém não encontro a palavra em qualquer dos dicionários que consultei. Será correcta a sua utilização?

Obrigado.

[N. E.: O consulente segue a ortografia anterior ao acordo ortográfico em vigor, razão por que escreve objecto em vez de objeto, e correcta em lugar de correta.]

Resposta:

Os dicionários gerais não apresentam entrada para probando, o que não significa que o vocábulo esteja incorreto. Com efeito, encontramos este adjetivo mencionando pelo Dicionário Houaiss (2009), numa série lexical respeitante ao radical prob-, de origem culta, que concorre com o radical prov- (este de origem popular e presente no verbo provar):

«[...] representado por cultismos em português a partir do século XVIII como probidade, probidoso e probo, bem como, com base no latim probabìlis, e 'provável, verossímil, que pode ser provado' [...], f. port. cultas como probabilidade, probabiliorismo, probabiliorista, probabiliorístico, probabilismo, probabilíssimo, probabilista, probabilístico, probabilização, probabilizado, probabilizador, probabilizante, probabilizar, probabilizável, probácio, probador, probando, probante, probativo, probatório, improbidade, improbidoso [...]» (sublinhado nosso).

A palavra em questão encontra também registo no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras. Poderia, portanto, pensar-se que se trata de uma criação de uso exclusivamente brasileiro, mas observa-se que o termo ocorre em Portugal, no discurso de Direito.

(1) «A primeira tese é defendida, entre nós, por Germano Marques da Silva e traduz-se e...

Pergunta:

Com o novo acordo ortográfico (1990), «América do Norte» e «América do Sul» devem ter norte e sul em caixa alta ou baixa? Não encontro resposta nas referências à grafia de pontos cardeais no novo acordo.

Obrigada!

Resposta:

Trata-se de nomes próprios compostos, pelo que os elementos norte e sul se escrevem com maiúscula inicial, tal como acontece com os adjetivos que entram na formação de outros nomes próprios compostos: América do Norte e América do Sul – cf. Costa Rica, Arábia Saudita.

Os nomes próprios compostos (ou seja, nomes próprios formados por mais de uma palavra), quando correspondem a nomes de países, estados federados, regiões ou povoações, podem incluir os nomes dos pontos cardeais, neste caso, sempre com maiúscula inicial: Coreia do Norte, África do Sul, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Amadora Este* (nome de uma estação da rede de metro de Lisboa).

Trata-se, portanto, de um caso que não tem que ver com as regras de uso de maiúsculas e minúsculas iniciais que o acordo ortográfico em vigor aplica2 à escrita dos nomes dos pontos cardeais.

1 Geralmente, em topónimos em que se associa as coordenadas oeste e este, usa-se ocidental e oriental: Virgínia Ocidental (correspondente ao inglês West Virginia),

Pergunta:

Fundilhar é um verbo da família de fundura (nome)?

Obrigado.

Resposta:

Pela derivação e pela história, pode-se dizer que fundilho e o verbo derivado fundilhar são da mesma família de palavras de fundura. A estas palavras é comum o radical fund-, também constitutivo de fundo; com efeito, segundo o Dicionário Houaiss (2001):

fundilhar, «pôr fundilho em», resulta da conversão verbal de fundilho ou, como é mais usado, fundilhos, «parte das calças, ceroulas e cuecas que corresponde ao assento», nome formado por derivação, do radical fund- e do sufixo -ilho – embora não se exclua a hipótese de ter origem num empréstimo do castelhano, fondillos, com significado semelhante;

fundura, sinónimo de profundidade, deriva igualmente por sufixação: fund- + -ura.

No artigo que o Dicionário Houaiss dedica ao radical fund- pode ainda ler-se:

«antepositivo, do latim fundus, i (também fundus, us e fundus, eris) "fundo (solo, rio, mar, vaso, armário); fundo (da terra)", em contraste com sedes "construção, edifício; termo de direito, sinônimo de auctor (o que dá base, o que confirma ou ratifica)"; dos derivados ou cognatos latinos, com os vocábulos portugueses correlatos, ressaltam-se o verbo latino fundo, as, avi, atum, are "construir, fundar com fortaleza, assentar solidamente", fundamentum "base, fundamento", fundator, oris "fundador", fundatio, oni...

Pergunta:

[...] ]A]lgumas pessoas afirmam que a língua falada pelos habitantes da Índia é o hindi (e não indiano). Tanto quanto sei, o hindi é falado por cerca de 70% da população da Índia, mas tenho dúvidas se será mesmo este o nome que devemos referir à língua falada pelos Indianos.

Poderiam s.f.f.esclarecer-me?

Resposta:

O nome e adjetivo pátrio da República da Índia é indiano. Mas não se pode confundir indiano, termo identificador da nacionalidade, com o referente a uma língua generalizada a toda a Índia, porque neste país há várias línguas com estatuto oficial, tanto a nível nacional, quer para cada estado federado. Sendo assim, a língua com mais falantes é efetivamente a que se chama hindi, e é este idioma utilizado pelo governo federal, a par do inglês. Outras línguas com estatuto oficial são, por exemplo, o tâmil ou o marata, no sul e centro-oeste, respetivamente.

Em suma, a situação linguística da Índia não é como a portuguesa, em que português é o vocábulo que se aplica tanto à nacionalidade como à língua oficial. No caso da Índia, o nome pátrio é indiano, mas a principal língua oficial chama-se hindi, e não "indiano".