Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como se deve dizer: «medicamento anti-hipertensor» ou «medicamento anti-hipertensivo»?

Muito obrigado.

Resposta:

Já tivemos ocasião de nos referir indiretamente às formas hipertensor e hipertensivo na resposta "Anti-hipertensor, anti-hipertensivo ou hipotensor?". Contudo, procurando completar o que aí se expôs, diga-se que as duas formas derivadas adjetivais anti-hipertensor e anti-hipertensivo, ambas com o significado de «que combatem a hipertensão», se escrevem com hífen1 estão bem formadas e têm uso legítimo, de acordo com o registo de ambas no dicionário de termos médicos da Porto Editora na Infopédia e no glossário do sítio eletrónico Médicos de Portugal. Igualmente corretas são as bases de derivação destes termos, hipertensor e hipertensivo.

Note-se, porém, que uma busca no Google revela que na literatura académica a forma hipertensivo é mais comum do que hipertensor. Não quer isto dizer que esta seja, do ponto de vista linguístico, menos correta que aquela2; e, na verdade, voltando aos derivados anti-hipertensor e anti-hipertensivo, ocorrem estes sem claro contraste semântico em diferentes documentos disponibilizados por uma mesma entidade da área da saúde (exemplos extraídos de documentos em linha da Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produto de Saúde, I. P.):

(1) «ECAMAIS é um medicamento anti-hipertensor que consiste...

Pergunta:

Esta questão já foi colocada por um consulente em 2001, mas a resposta dada pelo consultor do Ciberdúvidas ["Argélia-Argel"] não esclarece a metátese que se produziu em português e castelhano.

A minha pergunta é a seguinte: por que razão terá havido esta metátese de uma palavra de origem árabe iniciada pelo artigo al? Será caso único com palavras portuguesas de origem árabe com o artigo al?

Encontrei uma resposta num sítio de língua espanhola que também não me deixou totalmente esclarecido, razão por que peço a vossa opinião.

Muito obrigado.

P.S. – Em outros sítios, a pergunta é idêntica à minha, mas as respostas fogem ao cerne da questão: Sua Língua e StackExchange.

Resposta:

As formas Argel e Argélia terão surgido por metátese, isto é, por troca de posição de segmentos na estrutura silábica da configuração mais antiga destes nomes, Alger e Algeria, talvez empréstimos do catalão ou do italiano1. A alteração deve ser bastante precoce na história destes nomes em castelhano e em português, pois parece já estável na documentação dos dois idiomas, pelo menos, desde o séc. XVI (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa e Corpus diacrónico del español – CORDE da Real Academia Espanhola).

Observe-se que, em posição inicial, é possível identificar alguns casos de substituição de /l/ por /r/, por exemplo, por dissimilação, como acontece com argola, do árabe andalusi alġulla, que vem por sua vez do árabe clássico ġull «cepo; peça de madeira posta ao pescoço dum condenado» «(cf. Federico Corriente, Diccionario de Arabismos y Voces Afines en Iberromance, Gredos, 2003)2. A toponímia de Portugal também faculta exemplos deste tipo não de origem árabe, mas de origem românica, como Argozelo<...

Pergunta:

Tenho visto muito a utilização de «a par com» (Exemplo: «Macau é, a par com Hong Kong, uma das Regiões Administrativas Especiais da China»). Julgo que o correcto seria «a par de», mas tenho visto isto tantas vezes que já tenho dúvidas.

Serão válidas as duas formas?

Resposta:

As formas corretas são:

(a) «a par de» («ao lado de, junto; em comparação com»)

(b) «de par com» («juntamente com; ao lado de»)

As duas locuções são, portanto, sinónimas, porque ambas podem ser empregadas na aceção de «juntamente com» (cf. António Nogueira Santos, Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas - Português, Edições João Sá da Costa, 2000). Note, porém, que a literatura pode dar abonações da forma «a par com»:

(1) «Quando o via assim mortal, ia sentar-se a par com ele, abria um livro da vida de Cristo, que trazia consigo, e lia-lhe. » (Arnaldo Gama, A Última Dona de S. Nicolau, 1864)

Parece tratar-se de ocorrências muito marginais, pelo que se deve dar preferência à locução «de par com».

Pergunta:

Agradecia que me esclarecessem se as expressões «trabalho duro» e «trabalho árduo» são compostos morfossintáticos.

Muito obrigado.

Resposta:

Não são compostos, mas pode considerar-se que estão entre os compostos morfossintáticos e as associações livres de nome e adjetivo (formando sintagmas). A este tipo de associações recorrentes, já quase fixas, os estudos linguísticos chamam colocações, solidariedades lexicais ou lexias.

É, portanto, frequente o uso de «trabalho duro» e «trabalho árduo», expressões praticamente sinónimas (sendo a segunda uma alternativa intensificadora da primeira), em que a adjetivação tem caráter convencional; e, para estas colocações, não é difícil encontrar abonações, algumas até bem antigas (Corpus do Português, de Mark Davies):

trabalho duro

(1) «Despeço-me com saudade – nem me peja dizê-lo diante de vós: é virar as costas ao Éden de regalados e preguiçosos folgares, para entrar nos campos do trabalho duro, onde a terra se não lavra senão com o suor do rosto [...].» (Almeida Garrett, "Memória ao Conservatório Real", Frei Luís de Sousa, 1844)

(2) «No melhor dela, quando tudo parecia fantasia e sonho, os corpos lembraram-se do dia seguinte e do trabalho duro que os esperava.» (Miguel Torga, Vindima, 1945)

trabalho árduo

(3) «O major tentou imaginar Teresa de cabelos esve...

Pergunta:

A palavra idade pode usar-se mesmo quando não se refere a pessoas?

Por exemplo: «Qual a idade da sua empresa?»

A pergunta em cima está correta?

Obrigado.

Resposta:

A frase em questão está correta.

A palavra idade pode combinar-se sem incorreção com nomes que denominam entidades que não são pessoas, nem animais, nem outros seres vivos: «idade de uma/da empresa», «idade de uma/da ponte», «idade de um/do equipamento». Trata-se de casos em que este nome é sinónimo de existência ou «tempo de existência», num processo de extensão semântica, isto é, através da formação de um novo significado da palavra decorrente da associação desta a vocábulos de classes e subclasses semânticas com que não costuma associar-se.

Estas associações encontram-se, por exemplo, em textos especializados cujas necessidades terminológicas impõem frequentemente usos vocabulares menos aceitáveis na linguagem corrente:

(1) «Recentemente, a idade da empresa destaca-se como uma das principais variáveis que influenciam a determinação dos salários. Alguns autores identificam um efeito positivo entre a idade da empresa e os salários [...]. Teoricamente, as empresas com maior idade são aquelas que apresentam maiores níveis salariais aos seus trabalhadores.» (Ana Brum Cordeiro, O Efeito da Idade da Empresa nos Salários, Universidade dos Açores, 2015, p. 4)

Mas encontram-se outros exemplos deste uso de idade em textos tanto literários como não literários (atestações extraídas do Corpus do Português, Mark Davies):