Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como tenho visto escrito de várias formas – inclusive, aqui no Ciberdúvidas –, pergunto: COVID 19, COVID –19, Covid 19 ou Covid–19?

Muito obrigado pelo esclarecimento.

Resposta:

Organização Mundial de Saúde (OMS) informa que os nomes oficiais são os seguintes: COVID-19, para referir a doença do coronavírus; e SARS-CoV-2, para o novo ou "segundo" coronavírus da síndrome respiratória aguda severa.

Sobre estas denominações, convém assinalar que as siglas, acrónimos e denominações associadas referentes à doença e ao vírus causador provêm todas do inglês e têm aceitação e uso internacionais. Assim:

1. Ao vírus causador da doença, o Comité Internacional para a Taxonomia dos Vírus (International Committee on Taxonomy of Viruses – ICTV) atribuiu em 11/02/20201 o nome de «severe acute respiratory syndrome coronavirus 2», literalmente «coronavírus de síndrome respiratória aguda severa 2», cuja abreviação é SARS-CoV-22.

2. A OMS anunciou em 11/02/2020 que a doença passaria a ser designada pelo acrónimo COVID-19, que representa a expressão inglesa «coronavirus disease». Este acrónimo é formado pelos elementos truncados CO- e -VI-, sílabas extraídas do inglês coronavirus, a que se junta a inicial D do vocábulo também inglês disease («doença»). O algarismo final, separado por um hífen, indica o ano em que o vírus foi identificado.

Observe-se que, no momento em que se elabora esta resposta,  há ainda em Portugal, mesmo em documentos disponíveis em linha, certas oscilações no uso, as quais pod...

Pergunta:

Sempre conheci as expressões «raios te partam», «raios o partam», «raios me partam», «raios partam»1 isto e aquilo…

Mas nunca vi registado em nenhum dicionário, nem mesmo como uma corruptela, o vocábulo “raisparta”. No entanto, numa pesquisa que fiz no Google, este vocábulo aparece em barda2. Como poderemos classificá-lo?

Gostava de ter um esclarecimento e/ou uma opinião da vossa parte.

P. S.: Poderíamos incluir outra forma desta expressão que também se ouve: “raistaparta”.

 

1 No Ciberdúvidas, "Raios te partam".

2 “Raisparta” e “rais parta” – alguns exemplos respigados no Google:

• «O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora grafa — rais parta — «moto quatro» – Linguagista, 20/04/2014

• «As séries e os erros... raisparta!» – A Marquesa de Marvila,  24/05/2019

• «Emigrantes de volta: ″Raisparta, não se poderiam ter...» – Diário de Notícias, 02/08/2018

• «Nunca sei, rais parta os duplos particípios passados!» – a SARIP em WordPress, 26/07/2009

• «Rais parta esta gente que só está bem com o mal dos outros» – De repente já nos trinta, 30/12/2016

• «Dei um salto e sai-me este grande palavrão: "Raisparta!"» – ncultura, 12/04/2019

• «raispartam manhãs cinzentachuvosas como a de hoje» – Dicionário de Expressões Populares Portuguesas),  já se dá conta de haver um processo de alteração ou deturpação fonética ou sintática, quando se escreve «"rais" te partam» (raios passa a "rais") e «raios te "parta" (o verbo não concorda com o sujeito), das quais parecem proceder as formas aglutinadas (ou amalgamadas) "rasparta" ou "raisparta", usadas como interjeição.

Trata-se, portanto, de um processo que ainda não está concluído, porque muitos falantes parecem ser capazes de reconhecer  a frase primitiva. Por outro lado, o resultado é uma palavra que funciona como interjeição, passando por alterações que encontram paralelo na história de outras palavras como a conjunção embora (< em boa hora) ou o advérbio sobretudo (< sobre tudo), que se gramaticalizaram1.

No caso de "raistaparta", variante da referida amálgama, ocorre também a forma "ta", cuja vogal permite apoiar melhor ou tornar mais audível o "t". Com efeito, "raisteparta" soará "raistparta", numa prolação que pode confundir-se com "raisparta". Este processo de substituição de e (ou outra vogal) por um a reduzido em sílaba átona ocorre noutros casos: "radondo", por redondo, "granda", por grande.

 

N. E. – Fala-se de erosão, quando se descrevem casos como estes, em que ocorrem a redu...

Pergunta:

Gostaria de saber porque usamos a mesma palavra, tempo, para nos referirmos ao tempo cronológico e ao tempo meteorológico.

Como evoluiu a língua para termos a mesma palavra para conceitos tão diferentes?

Resposta:

Trata-se de um uso que já vem do latim – tempus, temporis – e é comum às línguas românicas, embora também não seja desconhecido nas línguas célticas (ver o caso do irlandês).

Os conceitos de tempo cronológico e tempo meteorológico podem ser, afinal, bem próximos, se se pensar que ambos podem ser percebidos como «momento» ou «época» – aliás, os dois conceitos podem até convergir na expressão «estes tempos». De qualquer modo, na história das línguas indo-europeias, como é o caso do latim e das línguas que dele procedem (entre elas, o português), é frequente o uso da mesma palavra para denotar as duas categorias, como apontou Carl Darling Buck (1866-1955), no seu A Dictionary of Selected Synonyms in the Principal Indo-European Languages (The University of Chicago Press, 1949, p. 70):

«The 'weather' is most commonly expressed by words of 'time', in a few cases by those for 'air' or 'sky', while the Germanic group is cognate with words for 'wind'.» (= «O 'tempo meteorológico' é normalmente expresso por palavras de 'tempo cronológico', nalguns casos pelas de 'ar' ou 'céu', ao passo que no grupo germânico tem termo cognato das palavras para 'vento').

Pergunta:

Para a pergunta «é que», deparei com a seguinte resposta do Ciberdúvidas:

«Rodrigo de Sá Nogueira, no seu Dicionário de Erros e Problemas de Linguagem (Livraria Clássica Editora, Portugal), explica esse é que (ou foi que) por imitação do francês "c'est que…". E não lhe via, já nesse tempo, qualquer deselegância gramatical . Antes pelo contrário: "Trata-se de uma expressão radicada, consagrada pelo uso, e, diga-se de passagem, de muita expressividade." À luz da gramática portuguesa, R. Sá Nogueira justifica este tipo de construção como uma frase elíptica, que dá força e realce a uma determinada ideia ou informação. No exemplo apontado, a frase seria assim: "A escola recuou na sua proposta. Porque (é que) faltam os fundos necessários." E remete-nos para o que escreveu sobre o mesmo assunto o insuspeito Vasco Botelho de Amaral. Vem no Glossário Crítico de Dificuldades do Idioma Português (Editorial Domingos Barreira, Porto, esgotadíssimo) e é a defesa mais acalorada que conheço da "espontaneidade e relevo expressivo" da partícula é que – um recurso estilístico comum, de resto, em clássicos como Viagens na Minha Terra, de Epifânio da Silva Dias (1941-1916) aponta na seguinte passagem da sua Syntaxe Histórica Portuguesa (Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1918, pp. 317/318)1:

«§ 428. a) Para realçar um sujeito ou complemento directo, assignalando-o como sendo a unica pessoa ou cousa a que o predicado se applica, pode desdobrar-se a oração em duas, por meio do verbo ser com o pronome demonstrativo o (no português archaico aquelle), seguido de uma oração relativa (e com o pronome quem equivalente a aquelle que):

o coraçom viel he aquell que faz homem sseer pera pouco (Fabulas fab. 22). A natureza a todos os homens fez eguaes; a fortuna he a que fez os altos, os baixos e os baixíssimos quaes são os servos (Vieira, IV, 323). as taças que gyravam ao redor eram as que produziam o tinir que soava fora (Herculano, Euric...

Pergunta:

Se todas as vogais nasais são fechadas, por que as palavras oxítonas/agudas terminadas em em (em que se origina um ditongo decrescente nasal fechado – ditongo fonético) são grafadas com acento agudo e não circunflexo (como também, amém, armazém, porém), excetuando-se os derivados dos verbo ter e vir na 3.ª pessoa do plural?

Resposta:

Não parece haver outra explicação que não seja a de se ter definido essa regra por se tratar de uma sequência gráfica especial, que não se comporta como as representações de nasalidade vocálica em inicial ou medial: âmbar, intercâmbio, ânfora, ignorância, êmbolo, ênfase, idêntico, ôntico, Estômbar, recôndito,

No Dicionário Houaiss, assinala-se que, entre  os dígrafos, «[se incluem] tb. am, an, em, en, im, in, on, om, um, un (que representam vogais nasais).» Trata-se, no entanto, de uma afirmação que só terá em mente os grafemas usados em posição não final na escrita contemporânea.

Não obstante, é preciso referir que, no contexto da reforma ortográfica 1911, a norma determinava que tais substantivos agudos se escrevessem com acento circunflexo. Registam-se, portanto, grafias, como alêm, armazêm e porêm no Vocabulário Ortográfico e Remissivo da Língua Portuguesa (1913), de A. R. Gonçalves Viana. Aliás, as Bases da Reforma de 1911 previam isto mesmo: «O ditongo em, quando predominante [= tónico] em polissílabos, receberá o acento circunflexo, como em armazêm, armazêns, porêm, a par de margem, porem, cuja escrita indicará a acentuação márgem, pôrem, mesmo sem ser marcada.»1

Mais tarde, com a aplicação do Acordo Ortográfico de 1945 em Portugal e a adoção do Formulário Ortográfico de 1943 no Brasil, a possibil...