Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber a origem da expressão nordestina «vai para baixa da égua».

Que é «baixa da égua»?

Quando começou a ser usada?

Resposta:

Nas fontes consultadas1, não se encontra informação conclusiva sobre a origem factual da expressão.

Embora a informação recolhida na Internet seja pouco fiável, mencione-se a indicação facultada pelo Dicionário Informal e pelo Wikcionário, que confirmam a relação da expressão com o nordeste do Brasil e o seu uso no sentido de «lugar muito distante, para onde não se deseja ir», sobretudo, como imprecação, para afastar alguém cuja presença é importuna. 

O mais que aqui se pode sugerir é ter a expressão origem nalgum topónimo não identificável, relativo a lugar objetiva ou subjetivamente muito afastado.

1 Foram consultados o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o Dicionário Michaelis e o dicionário de Caldas Aulete.

 

N. E. (21/02/2021) – Regista-se a variante «para a baixa da égua», com artigo definido antes de baixa (cf. Dicionário Informal). Como termo descritivo de configuração topográfica, baixa pode significar, segundo o Dicionário Houaiss, «depressão de terreno; baixos», «o fundo de um vale; lugar baixo», «parte do campo que fica submersa pelas chuvas de inverno» (regionalismo do Pará) e «parte menos funda de mar ou de rio» (arcaísmo). Há casos do uso toponímico (toponimização) deste termo em Portugal, quer no continente (Baixa da Ba...

Pergunta:

Em espanhol a expressão saber a gloria indica que uma comida é muito boa ou um facto é muito aprazível.

Como tradução ao português, no dicionário da Infopédia, encontrei a expressão «saber-lhe pela vida».

No caso de se usar, seria correto conjugar o verbo, por exemplo: «sabe-me pela vida»?

Obrigada.

Resposta:

A frase em questão está correta, ou seja, no sentido de «ter sabor», o verbo conjuga-se na 3.ª pessoa (singular ou plural) podendo ter associado um pronome pessoal referente à pessoa que tem a experiência do sabor: «sabe-me/te/lhe/nos/vos/lhes pela vida».

Construídas com saber (= «ter sabor»), registam-se outras expressões que parecem muito mais correntes do que «saber pela vida»1:

– «saber divinamente»: «o jantar estava ótimo e soube-me divinamente»;

– «saber que nem ginjas»2 (popular) = «este petisco sabe que nem ginjas»; «isto sabe-me que nem ginjas»;

– «saber pelas almas»;

– «saber a nozes».

 

1 Consultaram-se o Dicionário de Expressões Correntes (Lisboa, Editorial Notícias, 2000), de Orlando Neves, e o Dicionário de Expressões Populares Portuguesas (Lisboa, Edições 70, 1993), de Guilherme Augusto Simões.

2 Regista-se também «saber a gaitas», expressão que Orlando Neves, op. cit.,comenta assim: «No plural, "gaitas" é o nome dado aos orifícios que a lampreia tem debaixo da boca e que, de certo modo, lembram os das flautas ou gaitas. Dizem os apreciadores do ciclóstomo que essa é, precisamente, a sua parte mais saborosa. Porque a expressão já tinha sido utilizada por D. Francisco Manuel de Melo na Feira de Anexins, não colhe a hipótese posta por Pinto de Carvalho (Tinop) no seu livro Lisboa de Outros ...

Pergunta:

Um artigo recente – "Olhá bujarda, é a fina flor do entulho" – lançou-me esta dúvida: no sentido de «asneira» «calinada», «dito disparatado», não se escreve com o (bojarda)?

Os meus agradecimentos.

Resposta:

É de facto com o, quando significa «asneira». «calinada», «dito disparatado», conforme o registo e a definição do Dicionário Infopédia e doutras fontes. Está atestado desde o começo do século XIX, no dicionário de Morais (cf. Dicionário Houaiss).

O homófono (para falantes de Portugal) com u, bujarda, significa «martelo com duas cabeças quadradas e revestidas de pontas, utilizado no acabamento de pedras» e será aportuguesamento do francês boucharde, embora nesta adaptação não seja de excluir alguma ação analógica com o j de bojarda por via popular. Tem atestação um século século depois, num dicionário brasileiro de termos técnicos (ibidem).

Pergunta:

Creio que esta é uma boa altura para dissiparem as nossas duvidas relativamente ao uso de «estratego», «estratega» e «estrategista».

Isto porque, numa das vossas respostas, referem que se escreve estratego e não estratega, mas vários dicionários aceitam não só estratega mas também (na Infopédia, até como forma preferencial) «estrategista» (que, numa outra resposta vossa, aparece como forma do Brasil).

A confusão está criada. Pedia-vos que me ajudassem.

E agradeço desde já.

Resposta:

Estratego e estrategista são formas corretas. Quanto a estratega, é forma  discutível.

Começando por estrategista,  é esta uma forma correta.

Quanto a estratego e estratega, ainda não será aqui que se deslinda o caso, que, mesmo assim, não chegará a confusão.

O recomendado em Portugal por autores prescritivistas era  – e por enquanto continua a ser – a forma estratego, que é indiscutivelmente correta, conforme se pode confirmar no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa (1940) e no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves. E se recuarmos à transição da monarquia para a República em Portugal, veremos que Gonçalves Viana só considerava estrategista e estratego.

Estratego é, aliás, a única forma que fontes lexicográficas registam como sinónima de estrategista, já que não consignam estratega  – cf. Dicionário Michaelis, o Dicionário Houaiss e o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras1.

Assim:

– Acontece que, em Portugal, a partir de época que não é possível aqui precisar, se enraizou a forma estratega, que, por exemplo, a 

Pergunta:

A [minha] questão é colocada porque o denominado Dicionário CUSTOM.DIC do Departamento de Língua Portuguesa tem o termo oleo-hidráulico sem acento [no prefixo], quando, segundo as regras da utilização do hífen, deveria ser acentuado.

Antecipadamente agradecido.

 

Resposta:

O registo mencionado na pergunta está correto, porque oleo- é usado como prefixo (ou melhor, radical), e não se acentuam graficamente – nem mesmo quando são separados por hífen – os prefixos com acento prosódico próprio que se ligam graficamente ao elemento prefixado. Por outras palavras, assim como não se apõe o acento em oleorresinoso, também não é ele escrito sobre o primeiro elemento de oleo-hidráulico. O hífen deste caso deve-se ao facto de o elemento prefixado começar por h (hidráulico).

Esclareça-se que, no quadro da anterior norma ortográfica (1945), este princípio já era aplicado a certos prefixos que só eram seguidos de hífen sob determinada condição. Lê-se nas Bases Analítcas do Acordo Ortográfico de 1945, sobre hiper, inter- e super-:

«5.°) [Emprega-se o hífen em] compostos formados com os prefixos hiper, inter e super, quando o segundo elemento tem vida à parte e começa por h ou por um r que não se liga foneticamente ao r anterior: hiper-humano; inter-helénico, inter-resistente; super-homem, super-requintado

Observa-se nesta passagem que os prefixos hiper-, inter- e super- não passam a ter aposto nenhum acento gráfico antes de hífen, apesar de terem acento tónico na primeira sílaba. Perante estes casos, é de inferir que outros em condições semelhantes, isto é, só seguidos de hífen em contextos especiais, também alinhem pelo mesmo princípio (cf. Acordo Ortográfico de 1990, Base XVI, 1.º). É, portanto, este o caso de oleo-.

No entanto, há prefixos que se escrevem sempre com acento agudo e são sistematicamente seguidos de hífen, de harmonia com outro preceito que  já se encontrava na norma de 1945 e que a norma em vigor não alterou:

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