Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

"Esgravatar" ou "esgaravatar"? Existem as duas opções como válidas?

Obrigada.

Resposta:

Ambas as formas estão corretas.

As fontes dicionarísticas, mais ou menos recentes1, registam ambas as formas, apresentando-as como corretas e sinónimas. O Dicionário Houaiss (2001) assinala que esgravatar é variante de esgaravatar, «remexer (a terra)»2, em resultado da queda da vogal medial a. Chama-se síncope a este fenómeno de supressão de um segmento no interior de uma palavra (cf. Dicionário Terminológico).

1 Foram consultados o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, e o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (2001). 

2 O verbo, nas duas formas, ocorre nas seguintes aceções: «remexer a terra com as unhas»; «procurar um objeto oculto»; «remexer; escarafunchar»; «deitar pólvora na escorva de (arma de fogo); escorvar», na linguagem militar; e «pesquisar», como extensão metáfórica (Infopédia).

Pergunta:

Desde sempre que vejo registado – livros, revistas e outros – a tristemente célebre Schutzstaffel, ou as suas variantes, de funções bélicas e administrativas, Allgemeine, Waffen, Totenkopfverbände, etc.,do Estado nazista (III Reich), indicadas por «(as) SS», de acordo com o duplo símbolo rúnico (?) de esses estilizados.

Mas será correto escrever e dizer «(as) SS» (plural)? Só porque se abrevia com dois esses?

Sendo uma força militar/ grupo paramilitar, tal como foi no nosso país a Legião Portuguesa, não será, porventura, mais correto escrever-se e dizer-se «(a) SS», como organização militar, que embora coletivo, por natureza, é uma unidade como organização?

Obrigado.

Resposta:

A expressão alemã Schutzstaffel é realmente um nome composto singular em alemão: Schutz («proteção, defesa») + Staffel («equipa, unidade») – cf. Schutzstaffel dicionário Langenscheidt alemão-inglês. Empregado no singular, também ocorre noutras línguas (francês, catalão).

Em português seria de esperar também o singular na sua tradução – cf. SS no dicionário Infopédia alemão-português –, mas no discurso enraizou-se o plural, como que subentendendo «unidades, forças, tropas». Em espanhol, parece acontecer o mesmo.

Pode, portanto, considerar-se o singular – «a SS», como «a Gestapo» – uma forma indiscutivelmente correta. Contudo, o plural também se aceita pela força do uso.

Pergunta:

Uma dúvida está me corroendo e não encontrei a resposta clara a ela em nenhum lugar.

Sei que a norma correta é dizer «Existe esse problema entre MIM e ela.»

Porém se alterarmos a ordem dos pronomes, porque devemos dizer «Existe esse problema entre ela e EU», e não «entre ela e MIM«?

Agradeço antecipadamente.

Resposta:

Não há uma razão clara.

Apesar do recomendado por alguns gramáticos1, no sentido de só empregar mim e ti com entre, há outros autores, mais descritivos, que assinalam os usos mencionados na pergunta. Com efeito, se não é impossível dizer/escrever «entre ela e MIM», a verdade é que se prefere «entre ela e eu», conforme se observa na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p.1561):

«A preposição entre [...] tem a particularidade de tomar como complementos, nalguns contextos, pronomes com a forma casual nominativa [eu, tu]. Concretamente, os falantes dividem-se quanto à aceitabilidade de exemplos como os de (156): alguns usam exclusivamente as formas oblíquas [mim, ti] dos pronomes (cf. (156a)), outros as formas nominativas (cf.(156b)),e outros ainda aceitam e/ou produzem ambas as versões, podendo oscilar entre elas conforme as ocasiões:

(156) a. Gerou-ser uma discussão entre mim e ti. (pronomes oblíquos)

        b. Gerou-se uma discussão entre eu e tu. (pronomes nominativos)

Quando o sintagma nominal  coordenado complemento de entre inclui um pronome singular de 1.ª ou 2.ª pessoa, juntamente com um sintagma nominal complemento ou um pronome de 3.ª pessoa, a forma morfológica do pronome de 1.ª ou 2.ª pessoa depende da sua posição: quando ocorre  em primeiro lugar,alguns falantes prefer...

Pergunta:

Devemos escrever «experiências de quase-morte» ou «experiências de quase morte»?

Haverá algum motivo razoável para o hífen que me esteja a passar ao lado?

(Aproveito para vos agradecer: nunca me cansarei de vos agradecer pelo trabalho de esclarecimento e ajuda que prestam aos leitores e escritores em língua portuguesa.)

Resposta:

Não é obrigatório o hífen no uso de quase à maneira de prefixo. Na verdade, praticamente não se usa.

Em Portugal, no quadro do acordo em vigor, não se reconhece regra que imponha o hífen em sequências de quase + nome.

No Brasil, a Academia Brasileira de Letras optou por não hifenizar o uso prefixal de quase, conforme uma nota editorial da 5.ª edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP):

«Observação: Não estão consignadas nesta 5.ª edição do VOLP as formações com as palavras não e quase com função prefixal, como não agressão, não fumante, quase nada etc., por não serem os elementos de tais formações separados por hífen.»

Este critério é seguido pela Infopédia. No entanto, o VOLP da Academia de Ciências de Letras (e o dicionário Priberam) mantém as formas hifenizadas, quase-contrato, quase-delito e quase-posse, que já se encontravam no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966) de Rebelo Gonçalves.

Em suma, de acordo com a norma em vigor tende-se a não empregar nunca o hífen com quase. Na 

Pergunta:

Em primeiro lugar, parabéns por esta plataforma fantástica!

Não sei se é o melhor sítio para fazer esta pergunta, uma vez que a minha dúvida é mais técnica do que linguística.

A palavra mezzanine, que também já vi grafada como mezanine ou com o neologismo mezanino, está definida na Infopédia como «andar intermédio e pouco elevado, entre dois andares altos, geralmente entre o rés do chão e o primeiro andar». Noutros dicionários, aparece também com definições bastante semelhantes, frisando-se sempre a ideia de se tratar de um andar intermédio, por vezes baixo.

Ora, eu formei-me em arquitetura e trabalhei na área tempo suficiente para saber que os profissionais da construção dão um significado bastante mais lato ao termo. Para um arquiteto ou engenheiro, uma mezzanine é qualquer espaço interior que se debruce sobre outro inferior, independentemente de ser intermédio ou não, e que seja amplo o suficiente para não ser um simples varandim. No fundo, é o equivalente a um terraço no interior.

Basta uma simples pesquisa de imagens na Internet, com o termo mezzanine, para vermos dezenas de fotografias de casas, onde o escritório ou o quarto se encontra no segundo piso (e não num intermédio) e se debruça sobre uma sala de pé-direito duplo. A definição da Wikipédia é ainda mais redutora, dizendo que o termo se destina a «um nível particular do edifício situado entre o piso térreo e o primeiro andar (...) e que não entra no cálculo total dos andares». Por esta definição, numa torre de Lofts ou apartamentos Duplex, um fogo que possuísse um quarto no quinto piso, que se debruçasse sobre uma sala no piso inferior, já não seria uma "mezannine".

Estarão as definições dos dicionários incompletas, erradas ou desatualizadas? Ou estaremos perante um caso em que a gíria dos profissionais da área faz um uso mais al...

Resposta:

O que se expõe na questão é muito interessante, mas os dicionários gerais são isso mesmo – gerais –, e, portanto, não se espera que registem toda a gama de usos associados a uma palavra. Mesmo assim, nas fontes aqui consultadas, a conclusão que se chega é a de, afinal, as definições existentes não se afastarem assim tanto da descrição dada pelo consulente. O que acontece parece resultado de formulações pouco rigorosas.

Assim, embora corrente, a forma mezanine não tem registo nos dicionários em referência. Em seu lugar, figura mezanino, termo com mais de um século de tradição dicionarística, já que figura no dicionário de Caldas Aulete (cf. verbete original na versão eletrónica em linha):

«Mezanino s. m. || um andar de pequena elevação entre dois pavimentos elevados. || Janela mais larga do que alta que é costume abrir-se no friso de alguns edifícios e naquela espécie de andar. F. Ital. Mezzanino

Décadas mais tarde, o termo volta a ser recolhido por Rebelo Gonçalves no seu Vocabulário da Língua Portuguesa (1966). Também consignam esta última forma dicionários mais recentes como o Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa, o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e o Dicionário Priberam. Contudo, neste último, igualmente existe a entrada mezzanine.

É de supor que, nas definições que definem o mezanino como andar intermédio entre rés do chão e 1.º andar, ocorrem (com alguma falta de rigor) estas denominações a título exempli...