Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual o plural de «claro-escuro»?

Mais uma vez, os dicionários são contraditórios a este respeito...

Qual a forma mais aceitável?

Muito obrigado.

Resposta:

O melhor é consultar os registos de vocabulários ortográficos que tenham também informação sobre a flexão.

Verá o consulente que claro-escuro tem, pelo menos, desde 1966 – ano da publicação do Vocabulário da Língua Portuguesa de Rebelo Gonçalves – a seguinte flexão no plural:

a) se for nome: «os claros-escuros», ou seja, ambos os formantes pluralizam;

b) se for adjetivo: «claro-escuros/as», em que o primeiro elemento não vai para o plural, só o segundo.

Vocabulário Ortográfico do Português (Portal da Língua, 2010) regista também como plural do uso nominal claros-escuros (não contempla o uso adjetival)1.

Neste caso, os vocabulários da Academia das Ciências de Lisboa e o da Porto Editora pouco ajudam, porque apresentam os plurais, mas sem indicação do seu uso. O vocabulário da Academia Brasileira de Letras faz o mesmo: apresenta os plurais, mas sem os relacionar com usos nominais e usos adjetivais.

Em suma, se se empregar claro-escuro como nome, o plural é claros-escuros.

 

1 Consultar também o recente vol. III da

Pergunta:

É com humildade que realizo a minha primeira pergunta nesta plataforma, aos professores que tanto admiro.

A dúvida é curta: qual a etimologia do substantivo "boca-de-lobo" (no que tange ao seu sentido de «bueiro»)?

Procurei-a no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, mas, embora lá conste a definição do nome, não há sugestão de suas raízes etimológicas. Demais, na Infopédia e no próprio Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, sequer há o seu registro¹.

Poderia ser que, originalmente, a expressão dissesse "boca-de-lodo", em vez de "boca-de-lobo"? Desde já, agradeço pela atenção e conhecimento despendidos.

¹ Data das consultas: 15.03.2021.

Resposta:

Como o mesmo que bueiro (em Lisboa, prefere-se sarjeta), isto é, «abertura para esgoto de águas superficiais», boca de lobo escreve-se sem hífenes, ao abrigo do acordo ortográfico em vigor (Base XV)1. A palavra está registada no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, bem como no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, mas confirma-se que não se encontra na Infopédia. De qualquer forma, observe-se que, em Portugal, o vocábulo parece pouco ou nada usado na referida aceção2.

As fontes citadas não confirmam a origem proposta pelo consulente. Em nota etimológica, o Dicionário Houaiss é omisso quanto à etimologia de boca de lobo no sentido de «bueiro, sarjeta» e, referindo-se a boca de leão numa outra aceção («peça fêmea de endentação triangular»), nada adianta sobre as origens do termo. Pode ser também que a palavra seja devida a um uso metafórico: o buraco para escoamento de águas é como a boca de um lobo voraz.

1 Antes da vigência da atual norma ortográfica, escrevia-se com hífenes: boca-de-lobo (cf. Dicionário Houaiss, 1.ª edição, de 2001).

2 Outras aceções segundo o Priberam: «tampa ou grade escoadouro (nas ...

Pergunta:

Creio que percebo o sentido de por entre (aliás, uma resposta anterior do Ciberdúvidas fortaleceu-me nessa opinião). No entanto, pergunto-me se podemos sempre usar entre onde por vezes nos parece melhor por entre.

Acabo de ler uma frase que termina com «ouvindo o sussurro do vento entre as árvores». Neste caso, parece-me que o correto deve ser «por entre as árvores», como se estivéssemos a falar de um movimento que ocorre no interior da floresta... Não sei se estou a ser claro.

Em suma, gostava de saber se há alguma diferença clara entre entre e por entre. No exemplo que acabo de dar, não deveria ler-se por entre?

Muito obrigado.

Resposta:

A sequência «ouvindo o sussurro do vento entre as árvores» não está incorreta. Pelo contrário, é tão correta como «ouvindo o sussurro do vento por entre as árvores».

Há no entanto, dois aspetos semânticos a considerar na ocorrência da preposição entre e na combinação de preposições por entre1 no contexto em apreço:

1. Subentendendo o verbo passar ou outro verbo de movimento (correr, deslocar-se), aceitam-se «ouvindo o sussurro do vento passar entre as árvores» e «ouvindo o sussurro do vento passar por entre as árvores». Há, claro, uma diferença de significado, sendo a segunda versão da frase mais dinâmica, a sublinhar a travessia (a do conjunto de árvores).

2. A expressão «ouvindo o sussurro do vento por entre as árvores» pode ter um grau de ambiguidade menor por comparação com «ouvindo o sussurro do vento entre as árvores». Com efeito, com a preposição simples, pode dar-se à oração dupla interpretação: «o vento passa entre as árvores» e «quem ouve está entre as árvores». Na versão com a sequência prepositiva por entre1, reduz-se a ambiguidade, porque o conhecimento da realidade extralinguística permite aceitar que o quadro dinâmico em referência é resultado do vento e não do sujeito que ouve.

 

1 O Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (2002) classifica por entre como locução prepositiva. Contudo, na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, pp. 1505), só até a constitui uma locução prepositiva formada por duas preposições. Casos como por entre («A prancha ...

Pergunta:

Eu gostaria de saber o que significa esse ò com acento grave, que encontrei no dicionário Priberam:

Co-ra-gem (ò) significa que o som da letra é aberto, é isso?

Obrigado!

Resposta:

Trata-se de uma indicação de pronúncia. O símbolo ò indica que se trata de um o aberto mas átono, isto é, produzido numa sílaba que não recebe acento tónico.

Essas indicações de pronúncia relativas às vogais são importantes para quem fala o português de Portugal, porque, embora as vogais átonas sejam geralmente muito fechadas, há também muitas exceções. Assim, a palavra coragem, tal como figura em «ter coragem», soa "curagem" em Portugal. Contudo, coragem, no sentido de «ação de corar», tem o aberto átono e soa "còragem" em Portugal.

No português europeu, coragem ("curagem") e coragem ("còragem") são, portanto, palavras homógrafas, isto é, escrevem-se da mesma maneira, mas têm uma articulação ligeiramente diferente. O acento grave da indicação de pronúncia – ò – associada ao segundo dos vocábulos mencionados permite informar que a vogal é aberta mas átona.

Pergunta:

"Esgravatar" ou "esgaravatar"? Existem as duas opções como válidas?

Obrigada.

Resposta:

Ambas as formas estão corretas.

As fontes dicionarísticas, mais ou menos recentes1, registam ambas as formas, apresentando-as como corretas e sinónimas. O Dicionário Houaiss (2001) assinala que esgravatar é variante de esgaravatar, «remexer (a terra)»2, em resultado da queda da vogal medial a. Chama-se síncope a este fenómeno de supressão de um segmento no interior de uma palavra (cf. Dicionário Terminológico).

1 Foram consultados o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, e o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (2001). 

2 O verbo, nas duas formas, ocorre nas seguintes aceções: «remexer a terra com as unhas»; «procurar um objeto oculto»; «remexer; escarafunchar»; «deitar pólvora na escorva de (arma de fogo); escorvar», na linguagem militar; e «pesquisar», como extensão metáfórica (Infopédia).