Pergunta:
«Tebaldo – Como! Sacas da espada contra uns pobres corçozinhos sem força? Aqui, Benvólio! Vem encarar a morte!» (SHAKESPEARE, W. Romeu e Julieta e Tito Andronico. trad. de Carlos Alberto Nunes. 14.ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998, p. 21. ISBN 85-0040978-9).
Encontrei esta construção – o verbo sacar + a contração da – durante a leitura da edição acima referenciada, mais de uma vez, tanto na primeira quanto na segunda obra shakespeariana.
Minha intuição aceita o seu uso, mutatis mutandis, com o verbo no infinitivo, tal como em «O sacar da espada contra uns pobres corçozinhos sem força», ou mesmo com o substantivo saque", a saber: «O saque da espada contra uns pobres corçozinhos sem força.»
Entretanto, o seu uso como no excerto acima citado me causa estranheza, porque para se sacar da espada seria necessário se sacar algo dela, e não a própria espada. Portanto, eu gostaria que me explicassem – não para desafiar o saudoso tradutor Carlos Alberto Nunes, mas para aprender – se está correta essa construção e porquê.
Desde já, sou-vos muitíssimo grato.
Resposta:
A construção está correta, pois verbo sacar emprega-se com ou sem a preposição de em referência ao objeto da ação de sacar.
No seu Dicionário Prático de Regência Verbal, o gramático brasileiro Celso Pedro Luft (1921-1995) regista os dois usos como gramaticais:
«Sacar revólver (da cinta), a espada (da bainha). Sacar do revólver, da espada. "É bom no gatilho, saca rápido” (Aurélio).»
Em observação, o mesmo autor acrescenta, citando o gramático e lexicógrafo Antenor Nascentes (1886-1972): «"O posvérbio de traz idéia de utilização do instrumento sacado” (Nascentes, 1960: 186).»1
Observe-se que a diferença entre uso transitivo direto e uso preposicional é mínima, como se infere da primeira abonação de uma das aceções deste verbo no Dicionário Houaiss: «transitivo direto, transitivo indireto e intransitivo 1.1 tirar para fora, bruscamente e com violência; arrancar, puxar em ameaça. Ex.: sacar (d)o sabre; pistoleiro que saca com muita agilidade.»
Note-se, por último, que a possibilidade de o objeto de sacar se realizar como constituinte sintático preposicionado não se deve confundir com outra possibilidade entre os usos de sacar – a de este verbo, na aceção de «tirar para fora bruscamente», selecionar um objeto direto e um objeto indireto que marca o lugar donde se retira alguma coisa com brusquidão: «Sacar a carteira do bolso» (Luft, op. cit.).
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