Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Sempre tive a dúvida, e agora deparo-me com o problema numa revisão que estive a fazer. Devemos escrever «zona Euro» ou «Zona Euro»?

Um instrumento como o Linguagista afirma que as duas palavras devem estar com maiúscula, «por questões de analogia» (?!), mas sinceramente não me parece haver nenhuma justificação forte para tal.

Estarei errado?

Resposta:

A forma «zona Euro» é discutível, porque a maiúscula inicial não é inerente à grafia de euro (cf. casos como dólar ou real, que se escrevem com minúscula inicial). Mas, reformulando a questão, pode perguntar-se o que é preferível, se «zona euro», se «Zona Euro». Como parece não haver razões para desempatar e recomendar apenas uma das grafias, terá o consulente de definir uma opção e seguir o mesmo critério ao longo de todo um documento.

De qualquer modo, observe-se que a escrita da denominação em apreço, equivalente a «zona do euro», pode alinhar com situações de facultatividade do uso de maiúsculas  e minúsculas iniciais, previstas na Base XIX, 2, do Acordo Ortográfico de 1990. Além disso, do ponto de vista semântico e referencial, o uso de «zona euro» e o de «Zona Euro» são muito semelhantes, porque no primeiro a locução funciona como expressão definida, um tipo de designação que tem propriedades iguais ou semelhantes às de um nome próprio, que é o segundo caso: ambos têm um referente único, que, nesta situação, é a entidade política e financeira constituída por vários países da União Europeia (os que aderiram à moeda única, o euro).

Assinalem-se ainda as oscilações no uso de maiúsculas/minúsculas com esta expressão, como se pode confirmar em documentos da UE e outros, muitas vezes associados à mesma entidade no conjunto das instituições europeias.  Acresce que no 

Pergunta:

A questão foi levantada no ano 2000, por outro consulente, mas ciente das variações da língua ao longo do tempo, pergunto, novamente, se: haverá alguma diferença de sentido entre ex-ministro e «antigo ministro»?

Ao responder à consulta, argumentava-se que a tendência actual é de empregar o elemento ex- seguido do substantivo, de preferência ao uso do adjectivo antigo. Contudo, faltará dilucidar se esta tendência tem respaldo de alguma justificação semântica mais substantiva. E, se, entretanto, a tendência se terá invertido.

O consulente segue a norma ortográfica de 1945.

Resposta:

A forma prefixada por ex- e a construção adjetival com antigo continuam a configurar expressões sinónimas, como expôs Teresa Álvares há mais de 20 anos e como se pode exemplificar nos usos atestados por uma notícia do arquivo do Ciberdúvidas.

O prefixo ex- equivale semanticamente a antigo, como se infere do seguinte comentário associado à entrada ex- da Infopédia: «[Ex- é] prefixo que exprime a ideia de movimento para fora, separação, extração, afastamento e significa aquilo que alguém foi mas já não é, quando seguido de nome que indique estado ou profissão e esteja a ele ligado por hífen.»

Quanto a antigo, conta este adjetivo, entre as suas aceções, a de «que teve em tempo anterior um lugar que já não ocupa», significado, portanto, comum a "ex-" (ibidem).

Pergunta:

Estou fazendo a tradução de um texto em língua francesa em que consta o vocabulário fol, variação arcaica de fou, o mesmo que louco.

Gostaria de saber, por favor, qual vocábulo em português arcaico designa «louco» ou «doido»?

Resposta:

Existe a palavra sandeu, que ainda hoje os dicionários registam com o sentido de «tolo» e «louco»1., como é o caso do Dicionário Houaiss:

«sandeu Uso: pejorativo. 1    caracterizado por sandice, que envolve ou consiste em sandice Ex.: <a devoção sandia com que cercou aquela crença> <uma página pejada de um enternecimento s.>; 2    que diz ou pratica tolices; que é tolo, pateta; 3    que age simploriamente, com ingenuidade; tonto
n substantivo masculino; Uso: pejorativo. 4    indivíduo que age como um tolo; idiota, pateta; 5    indivíduo que diz sandices, coisas sem nexo, loucuras.»

Mas note-se que fol, um empréstimo do francês, também se documenta na poesia galego-portuguesa2.

1 Cf. Cantigas Medievais Galego-Portuguesas, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

2 Ibidem.

Pergunta:

Gostaria de pedir a vossa ajuda quanto ao seguinte: atualmente, há vários documentos oficiais e académicos que usam abundantemente o adjetivo "criterial", de modo a poder distinguir, por exemplo, uma avaliação criterial (baseada em critérios) de uma avaliação normativa.

Não encontrei referência a esta palavra em dicionários como o da Porto Editora (infopedia) ou o Vocabulário Ortográfico do Português. Há algum dicionário que a defina ou o seu uso é incorreto?

Grata pela atenção.

Resposta:

Criterial é palavra correta que, por enquanto, tem uso sobretudo especializado.

Confirma-se que a ausência de registo de criterial mesmo nos dicionários eletrónicos recentes, entre eles o da Infopédia e o Priberam (ainda que neste último, no momento de eleaboração desta resposta se anuncie para breve a disponibilização de uma entrada).

De um ponto de vista estritamente formal, criterial é um adjetivo bem formado, segundo o modelo de caraterial (ou caracterial). Por outro lado, é vocábulo com uso especializado, por exemplo, nas ciências de educação, em cujos textos ocorre há já mais de duas décadas em expressões como «avaliação criterial» (cf. documento da Direção-Geral de Educação) ou «análise criterial», que decalcam usos do inglês criterial também na mesma área de estudo.

Criterial tornou-se, portanto, uma palavra legítima no âmbito educativo, onde significa genericamente «relativo a critérios» ou «fundado em critérios». Porém, fora deste uso, na linguagem corrente, tem mais tradição criterioso: «escolha criteriosa» será, portanto, expressão mais adequada do que «escolha "criterial"».

Pergunta:

Qual é a origem do sobrenome Paulos?

Resposta:

Trata-se de um apelido (sobrenome) que talvez tenha origem no nome próprio Paulo.

Pode propor-se como hipótese que o -s de Paulos seja uma marca de plural: por exemplo, considere-se, por conjetura, que uma família, com um antepassado chamado Paulo, era conhecida numa aldeia ou num bairro vilego ou citadino, como «os filhos/netos do Paulo», donde «os Paulos; mais tarde este nome teria passado a usar-se como apelido (sobrenome).

Note-s, porém, que Paulos é apelido também conhecido na Galiza, nas regiões litorais (Vigo, Arousa e Corunha), talvez originário de uma adaptação do latim Paulus". (Cf. Apelidos de Galicia). Nada impede que o apelido tenha vindo da Galiza, onde poderia ter-se fixado da maneira que se expôs. Como se sabe que no século XVIII e XIX houve uma corrente migratória importante da Galiza (sobretudo do sul desta região) para Portugal, é também plausível que o apelido tenha aí origem.

Será, portanto, necessário que o consulente investigue um pouco a história de família e se embrenhe numa área que já é da genealogia.

Cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa.