Pergunta:
Na minha profissão, sendo hispanofalantes a maioria dos meus alunos, deparo-me sistematicamente com o que me parece ser um uso indevido da preposição por (e as suas contrações), mas não tenho a certeza de como lhes explicar esta questão.
Vejo muitas vezes formações como:
O jogo foi cancelado pela tempestade. (devia ser «por causa da tempestade»)
Estamos confinados pela Covid. (devia ser «por causa da Covid»)
Não posso sair pela porta, visto que não tenho a chave. (pretende-se dizer «tenho de ficar em casa por causa da porta»)
A lei foi escrita pelo presidente, que cometeu um crime. (pretende-se dizer «por causa do crime do presidente»)
Os erros nas duas últimas frases parecem-me particularmente graves; gera-se confusão com as preposições de movimento e com os agentes da passiva. No entanto, há outras situações em que, aparentemente, podemos usar tanto por como «por causa de»:
A caravela, pelas suas características, era a embarcação ideal para navegar naquelas condições. (ou "por causa das suas características")
O livro, pela sua dificuldade, tem de ser lido por partes. (ou "por causa da sua dificuldade")
O empregado, pela sua experiência, devia ser promovido. (ou "por causa da sua experiência")
Como posso explicar em que casos posso ou não usar ambas as alternativas?
Muito obrigado desde já.
Resposta:
Como em espanhol o agente da passiva e a construção causal são muitas vezes homónimas, consistindo num grupo preposicional introduzido pela preposição por, é necessário recorrer à interpretação, operação que pode não dar o resultado esperado. É, pois, de prever que haja sempre deslizes dos hispanofalantes.
Mesmo assim, depois de um verbo na passiva («foi cancelado») ou verbos de movimento como sair ou entrar, compatíveis com um complemento preposicionado por no sentido de «através» («saí/entrei pela porta»), uma estratégia1 será a de o estudante hispanófono pensar na sua língua materna e substituir a construção de por causativo pelas locuções espanholas a causa de ou por causa de, conforme se pode concluir da leitura da Nueva Gramática de la Lengua Española (Real Academia Espanhola, 2010. p. 750; tradução livre):
«Os grupos preposicionais introduzidos pela preposição por são os que expressam de maneira mais característica a noção de CAUSA. O termo regido pode ser nominal (por simple curiosidad «por simples curiosidade»; por verdadero placer, «por verdadeiro prazer») ou oracional (por haber mejorado,«por ter melhorado»; porque le interesa, «porque lhe interesa»)[...] Se bem que as CAUSAS se distingam dos AGENTES (em geral,pessoas ou animais), pode haver uma sobreposição entre ambas as noções quando lhes é atribuída certa capacidade de atuação e decisão, como em Yo no grito , yo quedo anulado por las sombras (Donoso, Pájaro)[2]. A possibilidade de alternância entre por e por causa de e a cau...