Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tenho sido grandemente beneficiado com o conteúdo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Agradeço a dedicação dos colaboradores.

Tenho uma dúvida sobre uma palavra composta. Há um recipiente muito usado em procedimentos cirúrgicos e de enfermagem, a "cuba rim", uma cuba de formato curvo, que lembra a silhueta de um rim. Qual é a grafia correta dessa palavra?

"Cuba rim", sem hífen? Penso que deveria ser "cuba-rim", com hífen, pois o segundo elemento é um substantivo, mas não encontrei qualquer texto impresso na nova ortografia que usasse a expressão com hífen.

A palavra também não aparece nos vocabulários e dicionários que pude consultar.

Obrigado.

Resposta:

Agradeço as palavras de apreço que a consulente dirige ao Ciberdúvidas.

Quanto à forma em questão, recomenda-se cuba-rim.

Na grafia da concatenação de dois nomes (substantivos) que funcionam como uma unidade, em que o segundo modifica o primeiro, inclui-se geralmente um hífen, porque se considera que se trata de um composto, à semelhança de casos como comboio-fantasma ou camião-tanque1.

Contudo, é de notar que tanto a atual ortografia como as anteriores normas ortográficas (no Brasil, o Formulário Ortográfico de 1943) não são muito esclarecedoras em relação a este tipo de casos. Com efeito, dão exemplos da hifenização com dois nomes justapostos – arcebispo-bispo, decreto-lei, médico-cirurgião, tenente-coronel, tio-avô, mas não afirmam que a justaposição de dois nomes conduza necessariamente à aplicação de hífen.

1 Cf. Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, 2020, pp. 3289-3191.

Pergunta:

Necessito saber qual o gentílico correto para designar os habitantes de Priscos (freguesia do concelho de Braga). Tenho visto escrito "priscenses" e "priscuenses".

Resposta:

A forma previsível e indiscutivelmente correta é priscense, tal como de Celorico (de Basto, da Beira) se deriva celoricense.

No entanto, sem que se lhe possa dar prioridade normativa, pode aceitar-se priscuense, à semelhança de marcuense, arcuense ou portuense, gentílicos relativos a Marco de CanavesesArcos de Valdevez e Porto, respetivamente.

Acrescente-se que, no plano etimológico, há quem identifique Priscos com um apelido homónimo originário de prisco, «antigo» (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2003). Contudo, esta hipótese foi contestada pelo historiador A. Almeida Fernandes (Toponímia Portuguesa. Exame a um Dicionário, 1999), que propôs que o topónimo fosse uma deturpação de Piiscos, forma que ocorre na documentação medieval e que terá evoluído da forma latina não atestada *piniscu, «relativo a rochedos ou pinheiros».

N. A.: Foi nesta freguesia que surgiu o conhecido pudim do Abade de Priscos, uma especialidade da doçaria portuguesa. Este doce é criaç...

Pergunta:

Existe o substantivo comentarista.

As minhas perguntas são:

– Existe um adjetivo correspondente (não o encontrei em nenhum dicionário)?

– A existir, será comentarista, "comentarístico" ou outro?

Resposta:

Comentarístico é opção correta como adjetivo correspondente a comentarista.

O sufixo -ista forma substantivos (nomes) e adjetivos. Comentarista" pode ser, portanto, adjetivo, mas é corrente como nome, como sinónimo de comentador, e é assim que geralmente encontra registo nos dicionários.

Dicionário Priberam da Língua Portuguesa regista o uso adjetival, a par do nominal, e abona-o com o seguinte exemplo: « o jornalista agradeceu aos colegas comentaristas». Este é um exemplo ambíguo porque comentarista pode ser nome nesse contexto, tal como acontece em casos em que colega se associa a um nome próprio: assim como se diz «o colega João» [o colega que é (o) João], também se emprega «o colega comentarista» [o colega que é (o) comentarista].

Atendendo a que de automobilista e jornalista derivam automobilístico e jornalístico, respetivamente, tem, portanto, toda a legitimidade o emprego de comentarístico como adjetivo relacional, isto é, relativo ao nome comentarista.

O râguebi nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020
Algumas notas sobre terminologia e escrita

Alguns aspetos lexicais e curiosidades à volta do râguebi (ou rúgbi), a propósito das provas desta modalidade que se disputam de 26 a 31 de julho de 2021 nos Jogos Olímpicos de Tóquio, os quais deveriam ter tido lugar em 2020, mas foram adiados devido à pandemia de covid-19.

Pergunta:

Gostaria de saber se existe algum termo para designar um grupo de apenas duas obras, com uma conexão entre si.

Por analogia, todos sabemos que um conjunto de três obras corresponde a uma trilogia. Mas e se tratarem apenas de duas obras? Existe algum termo para tal? Por acaso, o termo 'bilogia' ou 'duologia' existem?

Agradeço antecipadamente a atenção dispensada para responder a esta pergunta.

Resposta:

Em português, usa-se pouco  dilogia (ou "duologia" e "bilogia") para designar um conjunto de duas obras do mesmo autor ou que constituem uma mesma série.

Há registos de dilogia (e dialogia), mas como sinónimo de diáfora, «figura na qual se repete uma palavra já empregada, com novo matiz de significação (p.ex.: não vale a pena ter pena do adversário)» (Dicionário Houaiss). Quanto a bilogia, o dicionário Michaelis inclui esta como vocábulo em desuso, com o significado de «tratado de dois assuntos diferentes em uma só obra».

No entanto, emprega-se díptico, termo que vem das artes plásticas, mas que, por extensão semântica, se aplica também a «conjunto de duas obras da mesma natureza e que se completam» (Infopédia; ver também versão eletrónica dp dicionário de Caldas Aulete). No dicionário Priberam  regista-se díptico, como adjetivo, associado a substantivos que denotam obras não necessariamente das artes plásticas: «6. Que é composto por duas partes (ex.: folheto díptico; painel díptico; obra díptica).»

Note-se que em inglês se regista dilogy e duology em referência a duas obras que se complementam, mas trata-se de uso discutível (cf. Wiktionary). Mesmo assim, a forma duology...