Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Existe a palavra regressível? Não encontro referência dela nos vários dicionários que consultei.

Obrigado.

Resposta:

A palavra regressível não tem registo em dicionários aqui consultados, mas é uma palavra bem formada e, portanto, correta.

Porém, o facto de irregressível («que não admite regresso») ter presença em vários dicionários (por exemplo, Priberam e Infopédia, com o sentido de «que não pode regressar») é indicativo da possibilidade de empregar regressível, com significado equivalente ao de reversível, «que pode voltar atrás».

Regressível tem, de resto, uso, como ilustra a seguinte passagem:

«[...] [A]s populações [...] procuraram nos populismos crescentes reformulações inspiradas pela memória das antigas soberanias, parecendo ignorar que a circunstância mundial não é de regra regressível.» (Adriano Moreira, "A dúvida", Diário de Notícias, 15/02/2017).

Pergunta:

Nos livros de registos da paróquia de Ega (Condeixa-a-Nova) encontrei um lugar chamado Casal do Fagalhana. Tentei saber o significado desse nome mas nada encontrei que me pudesse esclarecer pelo que recorro ao Ciberdúvidas para mais uma tentativa.

O nome encontrei-o mencionado em documentos, durante o século XVIII até ao princípio do século XIX.

Obrigada pela atenção

Resposta:

Não foi possível obter informação sobre o nome em questão.

Trata-se de um topónimo composto, constituído pelo termo descritivo casal, que frequentemente ocorre na toponímia de Portugal no sentido de «pequeno povoado» ou «conjunto de pequenas propriedades», e o nome Fagalhana, sobre o qual as fontes consultadas2 são omissas.

No entanto, é possível que Fagalhana seja uma alcunha (no Brasil, apelido), isto é, um nome de pessoa atribuído por próximos (família, vizinhança, meio profisisonal), de caráter jocoso e até depreciativo. As alcunhas são frequentemente criações expressivas nem sempre de fácil interpretação, como será o caso com este nome, que parece ter ficado esquecido3.

 

1 Ver Cândido de Figueiredo, Novo Diccionario da Lingua Portuguesa, 1899, s. v. casal (a edição de 1913 está disponível numa versão em linha com o título Dicionário Aberto).

2 Consultaram-se a Revista Lusitana (1887-1941), o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa (2003), de José Pedro Machado, e o Tratado das Alcunhas Alentejanas (2013), de José Martins Ramos e Carlos Alberto da Silva.

3 Não há registo de Casal do Fagalhana no Reportório Toponímico de Portugal Continental (1967), nem na 

Pergunta:

Gostaria de saber se o verbo ir pode ser conjugado como «nós imos» e «vós is/vades» no presente do indicativo.

Essas formas são aceites?

Resposta:

A forma vades faz parte parte dos quadros de conjugação verbal do português contemporâneo. Já a forma imos («nós imos») é tida por arcaísmo e regionalismo, o mesmo acontecendo com is («vós is»)1.

Vades é a forma de 2.ª pessoa do plural do presente do conjuntivo (no Brasil, subjuntivo). É incerto que esta forma se use ou se tenha usado em português com o valor de 2.ª pessoa do plural do presente do indicativo, mas na Galiza não parece desconhecido o emprego dialetal de vades no lugar de ides2.

Imos é uma forma arcaica e regional da 1.ª pessoa do plural do presente do indicativo, cuja forma mais corrente e padrão é vamos. Is é também a alternativa arcaica e regional a ides na 2.ª pessoa do plural do presente do indicativo3.

 

1 Ver Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966, s. v. ir.

2 Manuel Ferreiro, Gramática Histórica Galega, Edicións Laiovento, 1996, p. 329.

3 Ver Rebelo Gonçalves, op. cit.

Pergunta:

Tenho sido grandemente beneficiado com o conteúdo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Agradeço a dedicação dos colaboradores.

Tenho uma dúvida sobre uma palavra composta. Há um recipiente muito usado em procedimentos cirúrgicos e de enfermagem, a "cuba rim", uma cuba de formato curvo, que lembra a silhueta de um rim. Qual é a grafia correta dessa palavra?

"Cuba rim", sem hífen? Penso que deveria ser "cuba-rim", com hífen, pois o segundo elemento é um substantivo, mas não encontrei qualquer texto impresso na nova ortografia que usasse a expressão com hífen.

A palavra também não aparece nos vocabulários e dicionários que pude consultar.

Obrigado.

Resposta:

Agradeço as palavras de apreço que a consulente dirige ao Ciberdúvidas.

Quanto à forma em questão, recomenda-se cuba-rim.

Na grafia da concatenação de dois nomes (substantivos) que funcionam como uma unidade, em que o segundo modifica o primeiro, inclui-se geralmente um hífen, porque se considera que se trata de um composto, à semelhança de casos como comboio-fantasma ou camião-tanque1.

Contudo, é de notar que tanto a atual ortografia como as anteriores normas ortográficas (no Brasil, o Formulário Ortográfico de 1943) não são muito esclarecedoras em relação a este tipo de casos. Com efeito, dão exemplos da hifenização com dois nomes justapostos – arcebispo-bispo, decreto-lei, médico-cirurgião, tenente-coronel, tio-avô, mas não afirmam que a justaposição de dois nomes conduza necessariamente à aplicação de hífen.

1 Cf. Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, 2020, pp. 3289-3191.

Pergunta:

Necessito saber qual o gentílico correto para designar os habitantes de Priscos (freguesia do concelho de Braga). Tenho visto escrito "priscenses" e "priscuenses".

Resposta:

A forma previsível e indiscutivelmente correta é priscense, tal como de Celorico (de Basto, da Beira) se deriva celoricense.

No entanto, sem que se lhe possa dar prioridade normativa, pode aceitar-se priscuense, à semelhança de marcuense, arcuense ou portuense, gentílicos relativos a Marco de CanavesesArcos de Valdevez e Porto, respetivamente.

Acrescente-se que, no plano etimológico, há quem identifique Priscos com um apelido homónimo originário de prisco, «antigo» (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2003). Contudo, esta hipótese foi contestada pelo historiador A. Almeida Fernandes (Toponímia Portuguesa. Exame a um Dicionário, 1999), que propôs que o topónimo fosse uma deturpação de Piiscos, forma que ocorre na documentação medieval e que terá evoluído da forma latina não atestada *piniscu, «relativo a rochedos ou pinheiros».

N. A.: Foi nesta freguesia que surgiu o conhecido pudim do Abade de Priscos, uma especialidade da doçaria portuguesa. Este doce é criaç...