Confirma-se que, em Portugal, em meados do século XIX, comboio e trem eram sinónimos concorrentes.
No Regulamento para a policia e exploração dos Caminhos de Ferro a que se refere o decreto de 11 de Abril de 1868 (Lisboa, Typographia do Futuro, 1868), lê-se por exemplo (mantém-se a grafia original):
«Art. 21.º É prohibido ligar a um comboio mais de duas locomotivas accesas. Quando duas locomotivas rebocarem um trem será a marcha regulada pelo machinista da frente.
Na testa do trem, e em seguida ao tender, irão tantos wagons que não transportem passageiros quantas as locomotivas que rebocarem o comboio. Excepruam-se os casos em que a addição da segunda machina é necessaria no transito por motivo de atrazo, accidente, ou para a subida de uma rampa.» (p. 15)
Nesta passagem, comboio e trem parecem alternar numa estratégia de coesão lexical: ocorre trem para não repetir comboio, e vice-versa.
Nos textos portugueses do séc. XIX, identificam-se algumas ocorrências de trem como sinónimo de comboio, mas sempre minoritárias. Figuram, por exemplo, na obra de Eça de Queirós (1845-1900), mas não é de excluir que elas se devam ao gosto deste autor pelos galicismos:
(1) «e por ele soubemos, enquanto carimbava apressadamente os bilhetes, que o trem, muito atrasado, talvez não alcançasse em Medina o comboio de Salaman» (Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires, in Corpus do Português).
É, no entanto, curioso notar que no Thesouro da Lingua Portugueza (1871-1874), de Domingos Vieira, se define comboio e trem de maneiras muito diferentes, que indicam sinonímia:
«COMBÓIO, s. m. A forma hoje usada por Comboio. — Nos caminhos de ferro, sério de carruagens ligadas umas ás outras, movidas ordinariamente só por uma locomotiva, que fazem uma viagem. — Está o comboio a partir. — Um comboio de mercadorias. — O comboio do correio. —'Não cheguei a tempo ao comboio. —Os comboios de passageiros constam ordinariamente de carruagens do todas as classes.»
«TREM, s. m. (Do francez train), A gente, a bagagem que acompanha alguém do jornada.
— Ter trem de tartaruga; diz-se d'aquelle que tem quanto sobre si o traz ou leva.
—Trem de artilheria; apparelho d'ella. [...]
— Trem do exercito; todo o apparato de munições, provisões, vedorias, gastadores, etc., que o segue e acompanha.
—Trem de vida, por modo de vida; n'esta locução é gallicismo.»
Anos mais tarde, também Cândido de Figueiredo, no seu Nôvo Diccionario da Lingua Portuguêsa (1899), define comboio e trem como vocábulos bem distintos:
«Combóio, m. porção de carros, que se dirigem ao mesmo destino; carros de munições e víveres, que acompanham fôrças militares; navio carregado, escoltado por embarcações de guerra; séie de carraugaens engatadas e movidas sôbre carris de ferro por uma locomotova ou por duas máchinas conjugadas; reunião de carregadôres, que transportam mercadorias entre o sertão e as povoações, na África e América. (Fr. convoi de con pref. + voie).
«Trem. Conjuncto das malas ou de quaesquer outros objectos, que constituem a bagagem de um viajante; comitiva; mobília de uma casa; conjunto de utensílios e dos mais objectos, próprios pâra certo serviço; qualquer carruagem; traje. (Fr. train, do lat. trahere).
Em conclusão, trem também terá tido emprego, em Portugal, como sinónimo de comboio. No entanto, trata-se de um uso que terá sido episódico a ponto de a lexicografia dos últimos decénios do século XIX ter-lhe sido aparentemente alheia.