Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber o significado do seguinte proverbio: «três vezes na cadeia é sinal de forca».

Resposta:

Trata-se de um provérbio alusivo a quem é teimoso ou reincidente num erro, a ponto de se tornar um caso desesperado.

Uma ligeira variante tem registo, por exemplo, no Livro dos Provérbios Portugueses (Lisboa, Editorial Presença, 2003), de José Ricardo Marques da Costa: «Três vezes à cadeia é sinal de forca.»

Em fontes brasileiras, o provérbio aparece, por exemplo, na Revista do Arquivo Municipal (volume 38, 1937, p. 30), numa série relacionada com uma área temática identificada como "Experiência, opinião, tenacidade, contumácia".

 

N. E. (30/01/2022) – O consulente Manuel Malheiros enviou o seguinte comentário explicativo, que se agradece: «[O provérbio relaciona-se com] "ao fim das três tem vez". Vem da norma medieval odiosa que condenava à morte quem cometesse três furtos, fosse qual fosse o valor e as condições; por exemplo, [o furto] de três galinhas do mesmo galinheiro, que podiam ser considerados três furtos. Procurou evitar-se esta aberração criminosa através da teoria do crime continuado, que através da doutrina da 

Pergunta:

Como se escreve a modalidade esportiva Fórmula 1 em narrativas? Há alguma regra específica de estilo sobre isso?

O correto é "fórmula um", com letra minúscula e o número por extenso por se tratar de algarismo inferior a dez e não terminado em zero?

Ou por ser uma modalidade esportiva conforme comentado, admite-se usar "Fórmula 1", com letra maiúscula e o algarismo?

Agradeço desde já o retorno e atenção!

Resposta:

A denominação em apreço ainda não tem grafia estável, mas pode aceitar-se que, preferencialmente, se escreve fórmula 1 ou Fórmula 1.

Com efeito, a minúscula na grafia desta expressão encontra-se no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. No Dicionário Houaiss, indica-se que tem maiúscula inicial quando se define fórmula como termo automobolístico: «cada uma das categorias de carros de corrida, correspondentes a determinados requisitos técnicos dos motores (p.ex., Fórmula 1, Fórmula 2000 etc.)».

No entanto, o Dicionário Priberam regista Fórmula Um como subentrada de fórmula, na aceção de «modalidade de corrida de automobilismo em cujo campeonato competem pilotos profissionais que conduzem carros de um só lugar com a tecnologia mais avançada da indústria automóvel». A grafia com um por extenso em lugar de 1 afigura-se mais marginal, ainda que este juízo não impeça a sua legitimidade.

Pergunta:

O oposto de sobrestimar é subestimar.

Será que a mesma lógica deveria aplicar-se a ponderar, com subponderar a ser o oposto de sobreponderar? Estas palavras não são aceites em muitos corretores ortográficos, nem em alguns dicionários. É correta a sua utilização?

E a utilização de "sobponderar", pode ser considerada um sinónimo de subponderar?

Alguma das alternativas está mais correta?

Obrigado.

Resposta:

É possível derivar prefixalmente os verbos subponderar e sobreponderar, tendo em conta os casos de subavaliar e sobreavaliar, que têm registo dicionarístico (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

Quando se trata de prefixo com o sentido genérico de «abaixo de», a forma é quase sempre sub-, que é atualmente bastante produtiva. Também pode ocorrer como prefixo a forma sob-, mas em casos mais esporádicos, que se fixaram na língua, como se aponta no Dicionário Houaiss:

«[...] sob-, como prefixo, é seguido de hífen, quando se lhe junta elemento começado por r ou b, relacionando entre outros os seguintes vocábulos: sobalçar, sob-bosque, sobcapa, sobcavar, sobcessor, sobcopo, sobdominante, sobescavar, sobestar, sobfretar, sobgrave, sobjegar, sobmediante, sobnegar, sobpear, sobpor, sob-reptício, sob-roda, sob-rojar, sobsaia, sobtensão, sobterreno; é de notar que sob- apresenta a variante so-, em vocábulos como socapa, soentrar, soerguer, solevantar, somergulhar, sonegar, soterrar

Observe-se, porém, que, entre estes últimos exemplos, se encontram também variantes com sub-, como é o caso de sub-reptício, muito mais corrente.

Pergunta:

Encontro em diversas fontes o significado de caga-tacos. Não encontro é a origem da palavra. Podem ajudar-me?

Obrigado.

Resposta:

Em Portugal, é uma palavra popular, que significa «pessoa de baixa estatura» e se usa como nome invariável (mantém a mesma forma nos dois géneros e nos dois números). Pertence ao registo calão (gíria), onde geralmente se incluem vocábulos de criação anónima e nem sempre regular, o que talvez explique a falta de informação sobre a sua origem, pelo menos, factual1.

De qualquer modo, a forma como se formou e a sua expressividade são relativamente transparentes: será caga-tacos a pessoa muito baixa, que, por isso, parece arrastar as nádegas pelo chão, numa perspetiva de exploração do grotesco e do vulgar.

Esta imagem converge com outro termo grosseiro – cagueiro –, usado para referir o ânus ou as nádegas (isto é, o rabo)2. Trata-se, portanto, de uma palavra de intenção insultuosa.

 

1 Consultar Infopédia e Dicionário Priberam. Ver também o Dicionário aberto de calão e expressões idiomáticas (versão de 22/01/2022), de João José Almeida.

2 Ibidem.

Pergunta:

Gostava de saber se existe algum estudo acerca da pronúncia da sequência "ti" (contigo, sítio, tirar) no Português Europeu (PE).

Tendo o russo como língua materna (em que o referido fenómeno da palatalização de quase todas as consoantes é muito frequente e fonologicamente obrigatório), percebo estes sons como ou bem palatalizados – [kõⁿ.'tʲi.gu] –, palatais – [kõⁿ.'ci.gu] – ou até aspirados – [kõⁿ.'tʰi.gu].

A diferença é ainda mais notória se comparados com as respectivas realizações fonéticas do cognato espanhol contigo em que o referido efeito acústico nunca (?) ocorre.

Estaria muito agradecido se me pudessem indicar se este fenómeno fonético existe em PE e, se possível, alguma refêrencia bibliográfica que trate do mesmo.

Obrigado pela atenção!

Resposta:

Não foi aqui possível achar estudos que confirmem a possibilidade de ti se pronunciar com /t/ palatalizado ou como consoante palatal – pelo menos, não parece que estas pronúncias se atestem entre falantes do português europeu padrão. A situação é, portanto, diferente da do português do Brasil, variedade onde o ti , por exemplo, de tia (a par do fenómeno correspondente no di de dia), tem diversas realizações, podendo oscilar muitas vezes entre um t palatalizado – em transcrição fonética [ˈtʲiɐ] – e uma africada surda (não vozeada) que soa "tchia" – [ˈtʃiɐ]1.

Contudo, têm-se identificado articulações aspiradas, conforme se assinala num documento do Arquivo Dialetal do Centro de Linguística da Universidade do Porto, no qual se regista a «realização das consoantes oclusivas não vozeadas /p/, /t/ e /k/ com aspiração ([pʰ], [tʰ] e [kʰ], respetivamente)», com os seguintes exemplos: [dɨˈpʰojʃ] (depois); [ˈtʰavɐ] (estava); [ˈkʰẽtʰ] (quente).

 

1 Ver tia no Vocabulário Ortográfico do Português (Portal da Língua). Convém referir igualmente que a palatalização de /t/ e /d/ é descrita na Gramática do Português (Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, ...