Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Vi no cursinho que durante, mediante, senão e salvo podem ser considerados preposições acidentais.

Eu sei que segundo pode ser representado um numeral (2.º) e uma preposição ao ligar palavras («segundo ele, estamos bem»).

Mas qual a outra classe gramatical dessas quatro palavras acima? Seriam substantivos? Não consegui encontrá-las em nenhuma outra classe para fazer a comparação.

Obrigada.

Resposta:

O termo «preposição acidental» é usado por Napoleão Mendes de Almeida (1911-1998) na sua Gramática Metódica da Língua Portuguesa (2009, p. 338), com a seguinte definição: «[...] consideram-se as palavras de outras classes, eventualmente empregadas como preposições: conforme, consoante, durante, exceto, fora/afora, mediante, menos, salvante, salvo, segundo, tirante.» Trata-se, portanto, de casos de derivação imprópria ou, para empregar uma terminologia mais recente, de conversão.

Sucede, porém, que o termo nem sempre é descritivamente adequado para o conjunto de preposições em questão, porque muitas vezes a relação dessas palavras com a classe morfossintática original não é acessível à intuição do falante comum. Na verdade, muitas vezes é preciso recorrer a explicações de caráter histórico, raramente ao alcance do conhecimento linguístico mais generalizado. Seria talvez preferível classificar estas preposições como palavras homónimas das formas que estão historicamente na sua origem1.

De qualquer modo, procurando identificar as classes donde provêm as preposições em questão, justifica-se associar a forma preposicional segundo ao numeral segundo, como, aliás, a consulente demonstra, muito embora, historicamente, a relação não seja assim tão direta. Opaco também não será o nexo entre a preposição salvo e o particípio passado salvo, de salvar (na aceção de «retirar, livrar»); também não será obscuro vincular o uso preposicional de senão (ex.: «ninguém me apoiou senão você») ao funcionamento da mesma forma c...

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem da palavra géneros presente na expressão «pagar em géneros» (exemplo: artigo 1530.º, n.º 3 do Código Civil).

Grata pela atenção.

Resposta:

Pelo menos, desde o século XVI que se usa a palavra género no plural para designar produtos principalmente destinados à alimentação.

É provável que géneros tenham adquirido este sentido subentendendo, por exemplo, hortaliça ou outra designação de produto agrícola, como acontece de forma explícita no seguinte exemplo:

(1) «Também tem uma vinha que dá boas uvas, os melões se dão no refeitório quase meio ano, e são finos, nem faltam couves mercianas bem duras, alfaces, rabãos e outros géneros de hortaliça de Portugal em abundância [...].» (Fernão Cardim, Carta de relação da viagem e missão a Província do Brasil, 1590, in Corpus do Português).

Pergunta:

Encontrei o termo subjectification em texto inglês que se baseia em Foucault e noutros textos pela internet relativos a esse autor encontrei "subjetificação", mas na maioria dos textos encontrei "subjetivação".

Afinal qual a diferença entre os termos? Qual deles eu deveria usar se não fora falar diretamente de Foucault?

Resposta:

Recomenda-se a forma subjetivação.

Consultando textos em francês, de Michel Foucault (1926-1984) ou relativos às ideias deste filófoso, verifica-se que o termo utilizado em francês é subjectivation (ler aqui, em francês), que corresponde ao português subjetivação. Este é um derivado de subjetivar, que significa, como subjetivizar, «tornar subjetivo».

Sendo assim, porque o termo foi cunhado em francês, afigura-se preferível empregar subjetivação, como forma portuguesa homóloga, que de resto é a predominante na tradução e comentário deste conceito proposto e explorado por Foucault (ver resultados de uma pesquisa Google aqui).

Pergunta:

Procurei nos dicionários e não achei este verbo, apenas encontro o seu substantivo monolatria.

Então, a dúvida que me surge é a seguinte: será que posso usar o verbo "monolatrar"?

Como, por exemplo: «E, for monolatrar Deus». Ou como posso dizer neste contexto?

Obrigado.

Resposta:

Não se atesta o uso da forma "monolatrar".

Em teoria, poderia formar-se tal verbo, mas acontece que, entre as palavras terminadas em -latra, só idólatra dá origem a um verbo, idolatrar. Todas as outras formas, incluindo monólatra (que não está dicionarizado, mas é possível, como termo correspondente a monolatria*), não têm verbos derivados registos nos dicionários, o que sugere que esta possibilidade é considerada pouco ou nada relevante no uso ou é vista com certas reservas.

Como alternativa mais prudente, pode sempre recorrer a expressões mais extensas como «praticar a monolatria» ou «ser monólatra».

* Monolatria: «adoração a um só deus ou ser» (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Durante o meu estudo (de Matemática), ao transcrever as minhas palavras para o papel, parece que criei duas novas palavras, "explicidade" e "implicidade" (de algo). O tópico era explicitar o modo como uma equação pode ser explícita ou implícita, concretamente se num membro da equação possuir as variáveis, por exemplo x+y=1 é uma equação implícita; por outro lado, se um membro possuir uma incógnita isolada, w=k+1, assim já é uma equação explícita [...].

Como é que eu escrevo «a maneira ou modo que um determinado assunto é explicito/implicito»?

Obrigado.

Resposta:

Para designar a «maneira ou modo que um determinado assunto é explicito/implicito», já existem dicionarizadas as palavras explicitude e implicitude.

As formas "explicidade" e "implicidade" são discutíveis, porque seria de esperar que o sufixo se associasse aos radicais explicit- e implicit- dos adjetivos explícito e implícito, respetivamente, daqui resultando palavras como "explicitidade" e "implicitidade", que não se atestam.

Note-se, porém, que, relacionados com explícito e implícito,  se registam explicitude, «qualidade ou condição do que é explícito ou está claramente expresso» (cf. Infopédia e Priberam) e implicitude, «qualidade ou condição do que é implícito ou está subentendido» (cf. Priberam). São palavras bem formadas cujos significados correspondem ao que o consulente procura.

Também se regista explicitação e implicitação, mas estas palavras, derivadas dos temas dos verbos explicitar e implicitar, são usadas no sentido de «ação de explicitar/implicitar» (cf. Infopédia e Priberam).