Carlos Marinheiro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Marinheiro
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Carlos Marinheiro (1941–2022). Bacharel em Jornalismo pela Escola Superior de Meios de Comunicação Social de Lisboa e ex-coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Colaborou em vários jornais, sobretudo com textos de análise política e social, nomeadamente no Expresso, Público, Notícias da Amadora e no extinto Comércio do Funchal, influente órgão da Imprensa até ao 25 de Abril.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Com frequência vejo na imprensa notícias em que se refere a expressão «parada gay». Esta expressão está correcta? Ou seja, o uso da palavra parada está correcto neste contexto?

Exemplo: «Centenas de homossexuais, lésbicas e transsexuais celebraram, nesta quarta-feira, a Parada Gay em Katmandu, capital do Nepal.»

Resposta:

O uso da palavra parada, neste contexto, está correcto, dado que o vocábulo significa, por extensão de sentido, «desfile informal, não militar, por vezes com atracções». Além disso, parada quer dizer «lugar em que se pára, esp[ecialmente] os pontos de transportes públicos»; «interrupção de uma atividade ou movimento; paralisação, suspensão»; ou «formatura militar».

Já o uso da palavra gay é contestável, visto que se trata de um estrangeirismo do inglês, registado na MorDebe, a par da tentativa de aportuguesamento guei.

E as lésbicas não são homossexuais?

 

 Cf. “LGBTIQ-free European Union” ou “LGBTIQ-freedom European Union”: escolha a sua + Día Internacional del Orgullo LGTB, 9 claves para una buena redacción [recomendação da Fundéu para o espanhol do dia 25/06/2021] + Os direitos das pessoas LGBT não são controversos + 

Pergunta:

Gostaria de saber se se pode utilizar a palavra atrição no sentido de «desgaste»?

Muito obrigado.

Resposta:

O nome (substantivo) atrição significa, além de «efeito de um atrito», «desgaste»; o Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora, ainda diz que, em religião, se trata de «pesar de ter ofendido a Deus, causado pelo receio do castigo». Em sentido figurado, atrição quer dizer «arrependimento». Este vocábulo vem do «lat[im] attritiōne-, "fricção; atrito"».

O Dicionário Eletrônico Houaiss também diz que atrição é «desgaste resultante de atrito», bem como «ferimento leve» ou «fricção para elevar a temperatura do corpo ou de parte dele». Em medicina, embora pouco usado, é «escoriação resultante de atrito»; e em veterinária trata-se de «contração violenta do principal tendão do pé do cavalo».

Pergunta:

Espero que tenham tido umas boas férias pois notei a vossa ausência.

Gostaria de saber se, quando alguém nos pode pôr numa alhada, se diz «está-me a pôr em xeque», ou "cheque".

Obrigado e bem-vindos.

Resposta:

O Dicionário de Expressões Correntes, de Orlando Neves, edição da Editorial Notícias, regista a expressão «Pôr em xeque» («pôr alguém em situação melindrosa; duvidar das capacidades de alguém; duvidar de uma dada situação»), mas não acolhe «pôr em cheque». Esta expressão aparece, sim, no Dicionário Prático de Locuções e Expressões Correntes, de Emanuel de Moura Correia e Persília de Melim Teixeira, edição da Papiro Editora, com o significado de «pôr em situação desairosa ou em perigo»; e este dicionário também regista a expressão «pôr em xeque».

O Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, de Guilherme Augusto Simões, edição de Publicações Dom Quixote, também regista as duas expressões: «pôr em cheque» («colocar outrem em situação falsa, em situação má») e «pôr em xeque» («em situação melindrosa»).

Cabe, porém, dizer que a ocorrência de cheque nesta locução é incorrecta, sendo xeque a que aí deve figurar, porque só esta forma se relaciona com a origem metafórica da expressão: o xeque no contexto do jogo do xadrez, isto é, «[o] ataque sofrido pelo rei, peça principal no jogo de xadrez» (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Gostaria de saber se toranja e pamplumossa são a mesma coisa.

Obrigado.

Resposta:

Sim, pamplumossa é o «mesmo que» toranja, e também o «mesmo que» pamplemussa, e esta palavra vem do «fr[ancês] pamplemousse (c1685) "id.", empr[és]t[imo] do hol[andês] pompelmoes, prov[avelmente] < pomple, "gordo, inchado" + limoes, "limão"».

A toranja, da área das angiospermas, é «árvore (Citrus maxima) da fam[ília] das rutáceas, prov[avelmente] nativa do Oeste da Malásia, cujo fruto é o maior entre os cítricos, pesando até 8 kg, arredondado, com casca grossa, amarela, de polpa muito ácida, ger. branca, e us[ada] na formação de vários híbridos»; «árvore pequena (Citrus x paradisi) da mesma fam[ília], originada em Barbados, de folhas luzidias verde-escuras, flores brancas e frutos grandes, comestíveis, de polpa levemente ácida, branca, avermelhada ou alaranjada, ricos em vitamina C e com propriedades tônicas, tb. us. em cosméticos [Híbrido obtido do cruzamento de C. maxima com uma sp. de laranja doce.]»; ou «fruto dessas plantas».

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss]

Pergunta:

Os dicionários correntes da língua portuguesa dão como significados do verbo perseguir expressões como «ir no encalço de» e várias outras que contêm a ideia de insistência, castigo ou violência exercidos sobre seres animados. No entanto, eu creio que, como acontece com o francês poursuivre, perseguir também significa «perseverar para atingir um objectivo, concretizar um sonho, etc.». Estarei a laborar num galicismo?

Resposta:

Além de «ir ao encalço de; correr atrás de» ou «impor castigo, punição; castigar», perseguir também significa «lutar para obter conquistas, para empreender realizações», como, por exemplo, na frase «era homem que só perseguia grandes ideais». Talvez por ser uma acepção menos usual, alguns dicionários não a acolhem, embora seja tão legítima como as outras. Acrescente-se que, entre gramáticos normativos como Vasco Botelho do Amaral ou Napoleão Mendes de Almeida, não se encontram comentários que atribuam a esse significado uma hipotética origem francesa.

A palavra perseguir vem do «lat[im] vulg[ar] *persequo,is,sēqui,ĕre; (...) f[orma] hist[órica] sXIV persegues, sXIV persegindo, sXIV pesseguiam, sXV perçeguyr, sXV persigua, sXV persiiguindo».

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss]