Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Devemos escrever «tocar de leve» ou «tocar ao de leve»?

Alguns dicionários dão a entender que são expressões sinónimas. Curiosamente, julgo que ninguém diz «tocar de leve», mas por outro lado não percebo o sentido deste «ao».

Muito obrigado.

Resposta:

Com efeito, tanto o dicionário Priberam como o Dicionário da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências, consideram que as expressões são equivalentes.

No Corpus do Português, de Mark Davies, encontramos registos de uso das duas construções em autores clássicos. Estas surgem associadas, com frequência, a verbos de movimento que envolvem algum tipo de contacto físico [tocar, acariciar, pousar, passar (a mão), bater, roçar, beijar...], pelo que parece atestado o uso equivalente das duas construções.

«Ao de leve» é uma locução adverbial cristalizada, pelo que a preposição a, que a encabeça, não é regida pelo verbo da frase, como se pode observar pelas possibilidades de construção com o verbo tocar:

(1) «tocar ao de leve»

(2) «tocar de leve»

(3) «tocar levemente»

(4) «tocar com leveza»

Não nos é possível determinar a origem histórica da locução «ao de leve», mas poderemos aventar que a preposição a poderá ter aqui um valor metafórico associado à transferência de movimento de um agente para um destinatário1, um valor que a preposição assume com alguma frequência.

Disponha sempre!

 

1. cf. Raposo e Xavier in Raposo et al., Gramática do português. Fundação Calous...

Pergunta:

 Ouço, com muita frequência, várias pessoas (algumas consideradas "cultas") utilizarem as palavras embalagem e embalo como sinónimas no sentido de movimento.

Para mim nada têm em comum.

Pergunto: estarei errada?

Grata pela atenção dispensada.

Resposta:

Em determinados contextos, as palavras poderão ser usadas com um sentido equivalente. Todavia, têm também sentidos próprios e específicos.

O nome embalagem poderá descrever tanto o «ato de ganhar velocidade, de acelerar, de embalar» como a «capacidade de agir ou executar algo rápida e sequencialmente; velocidade na execução de algo»1 (uso informal).

Por sua vez, o nome embalo tem significados como a «ação ou resultado de embalar» ou o «movimento de vaivém lento e regular». Em usos informais, também pode significar «capacidade de agir ou executar algo rápida e sequencialmente; velocidade na execução de algo»1, uso equivalente ao de embalagem.

Em construções como «tomar embalagem; ganhar embalagem», o nome embalagem assume o sentido de «ato de ganhar velocidade, de acelerar, de embalar»1. O nome embalo também pode ter associada esta mesma ideia de movimento.

Disponha sempre!

 

1. Dicionário da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa

História e dia
Divisão silábica

Quantas silabas têm as palavras história e dia? A professora Carla Marques dá resposta ao Desafio Semanal, na rubrica divulgada no programa Páginas de Português, da Antena 2 (15/12/2024). 

Pergunta:

Na passagem textual «louvai a Deus, enfim, servindo e sustentando ao homem, que é o fim para que vos criou», qual a função sintática desempenhada por «que é o fim para que vos criou»?

Obrigada!

Resposta:

A oração «que é o fim para que vos criou», retirada do Sermão de Santo António, de Padre António Vieira, não desempenha uma função sintática na frase em que se insere.

A oração em causa é uma oração coordenada explicativa, que se coordena com a oração «louvai a Deus». Neste caso, que é uma conjunção coordenativa explicativa, que tem a função de introduzir a oração que tem a função de apresentar uma justificação para o ato ilocutório diretivo expresso na primeira oração.

Disponha sempre!

Pergunta:

Quando queremos referir uma diferença num fuso horário, qual é a forma mais correta de o escrever?

(1) «Aqui, são seis horas menos que no Porto.»

ou:

(2) «Aqui são menos seis horas do que no Porto.»

(3) «Aqui são menos seis horas que no Porto.»

A minha dúvida eterna: que/ do que, existência ou não da vírgula, correta posição do advérbio menos.

Obrigada!

Resposta:

Nas construções em apreço, é possível usar tanto a locução «do que» como a conjunção que, sendo as frases que daí resultam equivalentes.

As construções apresentadas incluem uma estrutura comparativa, na qual se dá a elipse do verbo:

(1) «Aqui, são menos seis horas do que no Porto (são).»

Na frase (1), compara-se o horário de um local, identificado como «aqui», com o da cidade do Porto. Ora, numa construção comparativa, é possível introduzir o segundo termo da comparação por meio da locução «do que», como em (1), ou por meio da conjunção que, como acontece na frase (2):

(2) «Aqui, são menos seis horas que no Porto (são).»

Nas frases (1) e (2), a palavra menos incide sobre o núcleo nominal horas, pelo que não constitui um advérbio (que acompanharia um adjetivo), mas sim um quantificador. Menos coloca-se antes do elemento sobre o qual incide. Alguns falantes, em situações informais, aceitarão a colocação de menos depois de horas, mas essa não será a opção mais comum.

No que diz respeito à pontuação, no interior das estruturas comparativas, não se usa vírgula a separar os dois termos da comparação.

Disponha sempre!