Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora
«Inocentou-se aquele réu»
A passiva de -se

A questão de saber se a frase «Inocentou-se aquele réu» se encontra na passiva dá tema ao apontamento da professora Carla Marques (divulgado no programa Páginas de Português, da Antena 2, em 3/11/2024).

Pergunta:

Nas gramáticas a que estou a recorrer, são dados exemplos de conjunções coordenativas correlativas como «nem... nem», «tanto... como», «quer... quer», etc. No entanto, não encontro exemplos de conjunções subordinativas correlativas. A minha dúvida é se existem.

Lembrei-me dos seguintes casos: «tanto... quanto» e «tão... que». Serão exemplos de conjunções subordinativas correlativas, ou só se considera conjunção o segundo elemento e o primeiro não faz par?

Outra questão, uma das gramáticas, falando das orações coordenadas, divide os elementos que as introduzem em conjunções coordenativas e em advérbios conectivos, classificando expressões como «no entanto», «por isso», «por consequência», etc. como advérbios conectivos e não como locuções conjuncionais coordenativas. Porém, a mesma gramática, ao falar das orações subordinadas, fala tanto em conjunções subordinativas como em locuções conjuncionais subordinativas, dando o exemplo de «assim como», «desde que», «não obstante», etc.

Não percebo porque é que para as coordenativas não se fala em locuções, mas sim em advérbios conectivos; e porque é que, para as subordinadas, se fala em locuções e não em advérbios conectivos. Assumindo que isto está correto, quer isto dizer que não existem locuções conjuncionais coordenativas, sendo todas advérbios conectivos?

Muito obrigado e parabéns pelo vosso notável serviço.

Resposta:

Começaremos por esclarecer a razão pela qual palavras como «tão… que» , que surgem em oração subordinadas consecutivas, não são consideradas uma locução. Uma locução é um conceito gramatical que descreve um conjunto de duas ou mais palavas que desempenham uma função gramatical única.

Ora, tal não é o caso de estruturas como «tão…que». Nesta situação, estamos perante um operador consecutivo que, na oração principal assinala o grau e pede uma oração subordinada iniciada pela conjunção que, predicando, deste modo, sobre uma consequência associada ao grau. Por esta razão poderemos usar a frase (1), na qual se predica apenas sobre o grau, e a frase (2), na qual se predica sobre uma consequência associada ao grau:

(1) «Ele é tão forte.»

(2) «Ele é tão forte que transportou tudo sozinho.»

Este comportamento é diferente do que se identifica em locuções como «quer… quer» ou «não só… mas também».

Em segundo lugar, locuções como «no entanto», «por isso», «por consequência», entre outras, não são consideradas pelas abordagens gramaticais mais recentes como locuções coordenativas porque a análise do seu comportamento na frase evidenciou que estas têm um comportamento distinto das conjunções coordenativas. As conjunções, segundo Mateus1, caracterizam-se por ocupar a posição inicial do membro coordenado; não poderem deslocar-se para o interior do termo coordenado; por coordenarem constituintes frásicos e não frásicos. Já os advérbios conectivos, como, porém, todavia e contudo, não têm obrigatoriedade de colocação em início do membro coordenado (3), podendo mover-se no seu interior e podem coocorrer com as conjunções (4):

(3) «O João chegou; não telefonou, todavia, a ninguém»

(4) «O João chegou, mas, todavia, não telefonou a ninguém.»

Deste modo,...

Pergunta:

Muito obrigada pela vossa ajuda. Não sei o que faríamos sem o Ciberdúvidas. O vosso trabalho é excelente.

A minha dúvida é a seguinte:

«A música não apenas torna a aprendizagem mais agradável...» ou «A música não torna apenas a aprendizagem mais agradável»...

Qual seria a frase correta?

Muito obrigada pela vossa ajuda!

Resposta:

A única frase aceitável é a que coloca o advérbio apenas depois do verbo.

De acordo com a classificação do Dicionário Terminológico, apenas é um advérbio de exclusão, que tem a capacidade de incidir sobre um elemento da frase subtraindo-o de um conjunto mais vasto, como se observa em (1), frase em que o advérbio apenas sinaliza que, num grupo de alunos (suponhamos que o universo considerado é este) só um aluno fez o trabalho, o Rui:

(1) «Apenas o Rui fez o trabalho.»

O advérbio apenas pode incidir, tomando como foco, sobre sintagmas nominais, como acontece em (1), mas também sintagmas verbais, como se observa em (2):

(2) «O João apenas corrige os artigos (não os lê).»

Se em (2) o advérbio apenas for colocado depois do verbo, o seu foco passa a ser apenas o sintagma nominal «os artigos»:

(3) «O João corrige apenas os artigos (e não as crónicas).»

Ora, acontece que se pretendermos negar a frase por meio do advérbio de negação não, ele não poderá coocorrer com o advérbio apenas, até porque semanticamente não se poderia compatibilizar a negação do sintagma verbal com a noção de exclusão de um grupo1. Por essa razão, a frase (4) é agramatical:

(4) «*O João não apenas corrige os artigos.»

Este facto deve-se também a uma das propriedades do advérbio não, que, enquanto marcador de negação frásica, não pode ser separado do verbo por outras palavras (à exceção dos pronomes clíticos)2.

A frase (3), por seu turno, admite negação, pois o foco de apenas incide sobre o sin...

Pergunta:

Consideremos a frase «As ruas de Lisboa estão animadas. Por ALI encontramos muitos turistas».

Qual é o valor do advérbio de lugar ali, nesta frase? Será anafórico?

Cordialmente.

Resposta:

Em função do contexto de uso, o advérbio ali pode funcionar como anafórico ou como deítico espacial.

No contexto de um texto destinado, por exemplo, a ser lido, a sequência de frases apresentadas em (1) induz a interpretação de ali como um advérbio anafórico que contribui para a coesão referencial por remeter para o antecedente «ruas de Lisboa»:

(1) «As ruas de Lisboa estão animadas. Por ali encontramos muitos turistas.»

Não obstante, a mesma sequência de frases poderia ter sido proferida num contexto em que o locutor se encontra em Lisboa, observando as suas ruas e apontando para uma rua que se encontra mais distante dele afirma:

(2) «As ruas de Lisboa estão animadas. Por ali encontramos muitos turistas.»

Neste caso, o advérbio ali funciona como um deítico espacial uma vez que é uma palavra que tem a função de mostrar uma rua em particular, para a qual o locutor aponta.

Disponha sempre!

Pergunta:

Deve escrever-se '"conflito de interesse"'/"conflitos de interesse" ou '"conflito de interesses"'/"conflitos de interesses"?

Obrigado.

Resposta:

Se pretendemos descrever uma situação em que duas ou mais ideias/intenções são opostas, é possível usar as seguintes construções: «conflito de interesses» e «conflitos de interesses».

Para existir um conflito, teremos de considerar a existência de pelo menos dois interesses distintos, pelo que o nome interesse terá de surgir sempre no plural.

Quando ao núcleo do grupo nominal, a palavra conflito, esta poderá ser utilizada no singular se nos estivermos a referir apenas a um conflito existente entre duas pessoas/entidades ou mais. Se o que pretendemos descrever é a existência de mais do que um conflito, então deveremos utilizar a palavra no plural.

A construção «conflito de interesse» também é possível e refere um conflito que é relevante ou que desperta a curiosidade a alguma pessoa ou nalguma situação particular.

Disponha sempre!