É com a faca que faço pequenas incisões que me permitem separar ou dividir algo. Cortar é abrir fissuras ou separar em fatias, mas com a faca também se cria a metáfora «cortar à faca», que descreve algo pesado ou melindroso.
Corta-se a carne, o bacalhau, um dedo, o cabelo ou as unhas e até o cordão umbilical. Mas cortar também se conjuga com realidades menos materiais, pois corta-se o abastecimento, o crédito, a água ou a luz, o gás ou o telefone e aqui já não se divide, antes interrompe-se, o que não significa que o ato não provoque incisões ou fissuras (mas na alma).
O verbo cortar presta-se a reuniões com palavras de forma a descrever tantas e tão diferentes realidades. Há pessoas que «cortam a direito» porque são diretas e dizem a verdade sem olhar a quem. Há quem prefira «cortas as asas», tirando assim a liberdade ao outro ou barrando o caminho que se faz. Também se ouve por aí «cortar na casaca», se o que se pretende é dizer mal de alguém, sobretudo quando este está ausente. Outros zangam-se profundamente e «cortam relações».
Cortar permite também falar de situações positivas como a de «cortar o mal pela raiz» nas situações em que se elimina algo que era prejudicial ou «cortar o nó górdio», se conseguimos vencer uma dificuldade.
Mas, corte-se o que se vê ou o que não se vê, uma coisa é certa: cortar é sempre tirar algo e todos nós preferimos, em seu lugar, juntar, adicionar, somar, reunir ou, se possível, aumentar.
Áudio disponível aqui:
[AUDIO: Cortar]
Crónica da professora Carla Marques na sua rubrica emitida no programa Páginas de Português, na Antena 2, no dia 17 de outubro de 2021.