Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

1. De formas bem didáticas, como diferenciar o modificador do grupo verbal do modificador da frase? Que técnicas usar?

2. O Dicionário Terminológico diz que os modificadores «geralmente» podem ser eliminados da frases, não prejudicando, portanto, a gramaticalidade da mesma. Porque diz «geralmente»? Há casos em que prejudica?

Obrigado pela atenção!

Resposta:

O facto de um modificador poder ser retirado da frase tem a ver com as relações mais ténues que mantém com o grupo verbal ou com a frase. Por exemplo, um modificador do grupo verbal não é pedido pelo verbo (não é seu argumento) e, por essa razão, pode ser omitido sem prejudicar a gramaticalidade da frase:

(1) «O João comeu um bolo ontem

(1a) «O João comeu um bolo.»

No entanto, se considerarmos a frase no seu contexto, é verdade que a informação temporal veiculada pelo modificador ontem pode ser semanticamente importante para a compreensão do texto. Isto significa que, do ponto de vista sintático, o modificador pode ser omitido, mas, do ponto de vista semântico, não. Serão situações como esta que justificam a presença do advérbio geralmente na afirmação constante do Dicionário Terminológico.

A distinção entre os modificadores do grupo verbal e os modificadores de frase pode fazer-se pela aplicação de dois testes de natureza sintática:

(i) construção de foco (construção clivada):

    O modificador de grupo verbal admite ser integrado numa construção de focalização (clivada), como se vê em (2/2a), ao passo que o modificador da frase não o permite (3/3a):

    (2) «O João leu o livro atentamente.» - (2a) «Foi aten...

Pergunta:

Na frase «O Daniel veio por este caminho», a expressão «por este caminho» tem a função sintática de modificador ou de complemento oblíquo?

Resposta:

O constituinte «por este caminho» tem a função sintática de complemento oblíquo.

Para identificar um constituinte com a função de complemento oblíquo, podemos recorrer ao teste da estrutura pseudoclivada. Este é um teste que permite isolar o verbo e seus complementos, deixando de lado os modificadores do grupo verbal. Consideremos, para efeitos de análise, a frase que se apresenta em 

(1) «O Daniel veio por este caminho na segunda-feira.»

A aplicação do teste da construção pseudoclivada tem como objetivo separar o modificador do verbo e seus complementos. Apliquemos o teste à frase:

(1a) «O que o Daniel fez na segunda-feira foi vir por este caminho.»

(1b) «*O que o Daniel fez por este caminho foi vir na segunda-feira.»

(1c) «*O que o Daniel fez por este caminho foi vir.»

O teste mostra-nos que a frase (1a) é aceitável, enquanto a frase (1b) é estranha, o que nos permite concluir que na frase (1a) focalizámos o verbo e seu complemento enquanto na frase (1b) separámos o verbo do seu complemento, daí a sua estranheza. Por fim, a frase (1c) confirma que não é possível separar o verbo vir do constituinte «por este caminho», o que comprova que este último é complemento do verbo.

Os resultados do teste efetuado permitem, deste modo, concluir que «por este caminho» é complemento (oblíquo) do verbo, ao passo que «na segunda-feira» é modificador (do grupo verbal)1.

Disponha sempre!

 

*assinala a inaceitabilidade sintático-semântica da frase.

Pergunta:

Na frase «Ele achou-se cansado», apesar de achar ser um verbo transitivo predicativo, cansado não será predicativo do sujeito, já que aqui achar significa «estar» ou «sentir-se», funcionando como um verbo copulativo?

Nesse caso, qual seria a função sintática do se, pois já não poderia ser complemento direto?

Resposta:

Na construção apresentada, o constituinte cansado desempenha função sintática de predicativo do complemento direto.

O verbo achar é apresentado tipicamente como um verbo transitivo-predicativo que pede, por essa razão, um complemento direto e um predicativo do complemento direto. Esta estrutura fica clara numa frase como a que se apresenta em (1), na qual «a Maria» é complemento direto e «cansada» predicativo do complemento direto.:

(1) «O João acha a Maria cansada.»

Este tipo de construção admite paráfrase por uma frase que inclui uma oração subordinada completiva, o que vem mostrar que «a Maria cansada» é equivalente a uma oração copulativa, uma vez que o adjetivo predica sobre o complemento direto (esta situação designa-se oração pequena):

(2) O João acha que a Maria está cansada

O verbo achar pode usar-se de forma reflexiva. Neste caso, o pronome reflexo funciona como complemento direto do verbo. Mas veja-se como o verbo continua a ter um comportamento transitivo-predicativo, uma vez que continua a exigir complemento direto (o pronome reflexo) e um predicativo do complemento direto, como o comprova a agramaticalidade da frase apresentada em (3):

(3) «*Ele acha-se.»

Por outro lado, continua a ser possível a paráfrase com uma oração subordinada completiva:

(4) «Ele acha que ele próprio está cansado.»

Não obstante o que ficou dito atrás, num contexto universitário, é possível problematizar as construções com o verbo achar-se no sentido de que estas podem construir-se com um predicativo do sujeito (como a consulente afirma). No entanto, esta seria uma construção particular na qual o verbo

Pergunta:

Considerando a frase «Ele optou por comprar uma camisola azul», qual seria a função sintática de «por comprar uma camisola azul»?

Resposta:

O constituinte em análise desempenha a função de complemento oblíquo.

O constituinte «por comprar uma camisola azul» é um grupo preposicional introduzida pela preposição por seguida de uma oração infinitiva. Esta oração tem, do ponto de vista sintático, o mesmo estatuto que teria o grupo nominal «a Maria» na frase que se apresenta em (1):

(1) «Ele optou pela Maria.»

Note-se ainda relativamente à frase apresentada pela consulente que, no interior da oração infinitiva, o constituinte «uma camisola azul» desempenha a função de complemento direto do verbo comprar.

Disponha sempre!

Pergunta:

O advérbio talvez é um advérbio de dúvida ou de exclusão, segundo o novo dicionário terminológico [aplicado em Portugal]?

Resposta:

De acordo com o que está previsto no Dicionário Terminológico, não é possível incluir talvez em nenhuma das classes aí definidas com base nos valores semânticos dos advérbios porque o comportamento deste advérbio não se integra nas situações descritas. 

Não podemos considerar que se trata de um advérbio de exclusão porque os advérbios que se incluem nesta subclasse têm a função de realçar um constituinte, excluindo-o de um conjunto. É esse o comportamento de advérbios como exceto:

(1) «Todos estudaram, exceto o João.»

À luz do Dicionário Terminológico também não podemos considerar talvez um advérbio de dúvida porque esta subclasse não é contemplada no documento.

A subclasse dos advérbios de dúvida encontrava-se proposta na Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 67, estando contemplada nas gramáticas de orientação dita tradicional1. Por exemplo, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, talvez é incluído nesta subclasse ao lado de advérbios como acaso, porventura, possivelmente, provavelmente, entre outros2.

Ainda no quadro do Dicionário Terminológico, o advérbio talvez pode ser considerado um advérbio de predicado em frases como a que se apresenta em (2):

(2) «O João estudará talvez durante a tarde.»

A subclasse dos advérbios de predicado é definida por critérios sintáticos e nela incl...