Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Li em um jornal brasileiro a seguinte notícia: «Leonardo DiCaprio viverá líder espiritual que incentivou suicídio de 900 pessoas».

O verbo viver é transitivo direto nesse caso?

É corrente o uso de tal verbo no sentido de «representar»?

Resposta:

Na frase apresentada, o verbo viver está usado como transitivo direto.

O verbo viver pode, com efeito, ter um uso transitivo direto em frases como (1):

(1) «Ele vive o seu sonho.»

A estranheza da frase que apresenta o consulente não se encontra na subclasse do verbo, mas antes na significação que atualiza. Nesta frase, viver é equivalente a interpretar / representar, significação que não se encontra prevista nos dicionários consultados1.

Não obstante, poderemos estar perante um caso de alargamento semântico de uma palavra, pois uma pesquisa no Corpus do Português, de Mark Davies, revela que este uso tem algumas ocorrências na comunicação social brasileira, sobretudos em contextos relacionados com o cinema:

(2) «Já o ator que viverá o guitarrista Chimbinha, no entanto, ainda não está definido.» (Banda Calypso: jornal diz que filme é cancelado; assessoria desmente | Blog do Cifra Club)

(3) «Ela viverá Berenice, uma moradora do sul do Estado […]» (Novidades no elenco de MENOS QUE NADA | Casa de Cinema de Porto Alegre (casacinepoa.com.br))

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1. Referimo-nos ao 

<i>Miríade</i>
Dez mil estrelas ou dez mil corruptelas?

Na sua crónica noPrograma Páginas de Português, da Antena 2, do dia 14 de novembro de 2021, a professora Carla Marques aborda os significados da palavra miríade, a propósito do nome dado, em Portugal, pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária a uma investigação feita a militares por suspeitas de tráfico de diamantes e ouro em missões na República Centro-Africana, entre outubro de 2017 e março de 2018.

 

 

Pergunta:

Quais são os critérios de distinção entre as classes substantivo e adjetivo em casos como este: «Ana e Maria são amigas»?

Os dicionários põem a palavra amigo como substantivo e como adjetivo, mas nessa posição de predicativo do sujeito sem determinante, realmente empaquei. Estive a tentar justificar tal situação a um aluno, e não obtive sucesso. Intuitivamente entendo ser adjetivo, mas me faltam argumentos técnicos definitivos e incontestáveis.

Desde já, muito obrigado pela ajuda!

Resposta:

Com efeito, poderemos apontar alguns critérios que permitem distinguir adjetivos de nomes, sabendo, todavia, que será possível apontar exceções a estes critérios de classificação.

Os adjetivos, sendo qualificativos, atribuem uma propriedade ou característica ao nome. A classe do adjetivo caracteriza-se por ser tipicamente graduável, pelo que os seus membros são compatíveis com o advérbio muito:

(1) «Ela é muito simpática.»

Tipicamente, os nomes comuns não admitem construções com o advérbio muito1:

(2) «*A muito casa é amarela.»

Os adjetivos podem integrar construções comparativas:

(3) «Ela é mais inteligente do que a Ana.»

Os nomes, por seu turno, não podem ser o núcleo de uma comparação:

(4) «*Esta é mais casa do que a anterior.»

Nas orações copulativas, os nomes aparecem tipicamente antecedidos do determinante indefinido um, podendo também surgir com o determinante definido:

(5) «Ela é um amor.»

(6) «Ela é a chefe.»

O adjetivo já não é compatível com o determinante:

(7) «*A casa é uma fria.»2

(8) «*A casa é a fria.»2

Assim, na frase apresentada pelo consulente, amigas será um adjetivo, uma vez que é compatível com o advérbio muito (9) e pode surgir numa construção comparativa (10):

(9) «Ana e Maria são muito amigas.»

(10) «Ana e Maria são tão amigas quanto Rita e Joana.»

É verdade que é possível produzi...

Pergunta:

Quando uma citação em bloco tem mais de três linhas, dispensam-se as aspas e podemos/devemos (?) usar itálico. Aplica-se o mesmo no caso de poemas, por exemplo, citando apenas parte dos mesmos?

Nesse caso, os poemas podem ficar centrados em relação ao texto?

Desde já agradeço a vossa ajuda.

Resposta:

Os processos de citação adotados em trabalhos académicos1 poderão, creio, ser alargados a outros contextos de produção textual, pelo que me referirei às regras que habitualmente se respeitam neste âmbito.

Antes de mais, há que distinguir dois tipos de citação: a citação curta e a citação longa. A sua apresentação no texto obedece a normas específicas:

(i) citação curta

Considera-se citação curta aquela que tem, no máximo, até três linhas. Neste caso, o texto do autor citado será inserido diretamente no nosso texto, sendo assinalado por aspas e seguido de referência bibliográfica curta (apelido do autor, data da publicação da obra, página(s)).

(ii) citação longa

A citação longa é aquela que tem mais de três linhas. Esta é inserida no texto respeitando os seguintes procedimentos: o texto citado é colocado num parágrafo posterior ao texto de nossa autoria; não se usam aspas; o texto é apresentado num tamanho de letra inferior ao usado no nosso texto; o texto é apresentado com um parágrafo que avança em todas as suas linhas cerca de 4 cm relativamente ao texto principal2.

De acordo com estas normas, e retomando a questão da consulente, não é necessário recorrer ao itálico para assinalar o texto citado. No caso particular dos poemas, poder-se-á adotar a mesma regra, fazendo equivaler os versos ao número de linhas. É de recordar ainda que, quando se insere um excerto de poema no texto principal, este deve aparecer entre aspas e os seus versos deverão ser separados por barras oblíquas (/).

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1. Referimo-nos aqui sobretudo aos trabalhos científicos desenvolvidos nas áreas das ciências sociais e humanas, que, habitualmente, seguem ...

<i>Berbicacho</i>
Uma palavra na ribalta em Portugal

A professora Carla Marques aborda, neste apontamento, as nuances da palavra berbicacho: «Recentemente, berbicacho elevou-se ao mundo da política portuguesa. Sem se ter candidatado a nada e sem ter sido escrutinado, surgiu ao lado dos líderes de primeira água: ora de mãos dadas com o Presidente da República, ora lado a lado com o primeiro-ministro, serviu para descrever a situação que se vive em Portugal – de um orçamento que não se aprovou, a uma Assembleia que se dissolveu até eleições que se avizinham.»