Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora
Votar e voto
Da promessa ao sufrágio

A origem das palavras votar e voto dá mote à crónica da professora Carla Marques no programa Páginas de Português, da Antena 2, no contexto de eleições legislativas antecipadas.

Ainda os 25 anos do Ciberdúvidas
Um quarto de século a cuidar da língua portuguesa

«A pluralidade de perspetivas sobre a língua, associada ao facto de esta ter uma dimensão poliédrica que permite inúmeras abordagens, deu ao Ciberdúvidas a multiplicidade de rubricas que o caracterizam.»

 

Pergunta:

Podem por favor ajudar-me na seguinte dúvida?

«O Candidato X disputa as eleições presidenciais com» ou «contra o Candidato Y»?

Muito obrigada!

Resposta:

«Disputar alguma coisa com» é a construção mais estável e que se encontra prevista mais frequentemente em dicionários de língua ou de verbos.

No Dicionário Houaiss refere-se que o verbo pode ser usado como transitivo direto e indireto com o significado de «despender esforços nas ações necessárias para obter algo; concorrer, competir», como em:

(1) «Disputar um prémio com alguém»

Também o Dicionário Sintáctico de Verbos Portugueses, de W. Busse, aponta a mesma construção.

A construção com a preposição contra é, no entanto, possível, como sinaliza, por exemplo, Celso Luft, no Dicionário Prático de Regência Verbal (onde também se refere a regência com a preposição com).

A preferência pela preposição contra parece, no entanto, menos frequente, tal como se observa através de uma pesquisa no Corpus de Português, de Mark Davies. A estrutura «disputar contra» surge com alguma regularidade em contexto desportivo, no qual, por exemplo, uma equipa defronta outra:

(2) «O Benfica disputa o título contra o Porto.»

Esta construção acentua o valor de oposição ou mesmo de ini...

Pergunta:

«O Manuel, o Joaquim e o Fernando são três dos únicos trabalhadores que cumprem o horário.»

Supõe-se que vários trabalhadores, além destes três, cumprem o horário. Portanto, estará errado dizer «dos únicos», pois são mais do que um, pois único é um. Ou não?

Obrigado.

Resposta:

A construção apresentada está correta.

O termo único pode ser usado como adjetivo com o valor de «que é um só»1, como em (1):

(1) «Ele é filho único.»

Não obstante, este mesmo termo pode ser usado como nome / substantivo, com o valor de «pessoa ou coisa singular que constitui a exceção no conjunto em que se integra»1:

(2) «Este livro é o único disponível.»

Assim, na frase apresentada, a intenção é a de referir que existe um grupo de trabalhadores que são exceção (pois cumprem o horário), destacando-se neste grupo três pessoas em particular:

(3) «O Manuel, o Joaquim e o Fernando são três dos únicos trabalhadores que cumprem o horário.»

Disponha sempre!

 

1. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea. Verbo.

Pergunta:

Tenho uma pergunta que me incomoda há muito tempo: nas frases abaixo, que me parecem mais ou menos iguais, utilizam-se diferentes formas verbais para expressar uma mesma ideia. Refiro-me às expressões «irá fazer», «vai fazer», «fará».

Exemplos:

a) Nesta comunicação, a ministra irá fazer um ponto da situação da pandemia em Portugal.

b) A ministra da Saúde vai fazer na sexta-feira um ponto da situação da pandemia de covid-19.

c) A ministra da Saúde fará amanhã [sexta-feira] um ponto da situação da pandemia.

Façam o favor de me explicarem a diferença – quando se utiliza cada uma destas locuções verbais? –, e de acompanharem de exemplos as vossas explicações.

Desde já, agradeço a vossa reposta.

Resposta:

A ideia de futuridade pode, em português, ser expressa por meio de diferentes construções.

A opção prevista pela gramática passa pelo recurso ao futuro do indicativo, em construções como:

(1) «A ministra fará uma comunicação ao país.»

No entanto, os usos consagraram alternativas ao futuro, que atualmente são mais produtivas que o próprio futuro, que estará a cair em desuso na comunicação quotidiana. Uma dessas possibilidades passa pelo recurso ao presente do indicativo com valor de futuro (reforçado ou não por expressões adverbiais):

(2) «À tarde, a ministra faz uma comunicação ao país.»

Outra alternativa corresponde ao recurso da construção «ir + infinitivo», que, em português, expressa um valor de futuridade:

(3) «A ministra vai fazer uma comunicação ao país.»

Na construção perifrástica, habitualmente, o verbo ir é conjugado no presente do indicativo, mas também será possível conjugá-lo no futuro:

(4) «A ministra irá/vai fazer uma comunicação ao país.»

Todas as construções apresentadas têm um valor idêntico em termos de expressão da temporalidade.

Disponha sempre!