Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostava que me pudessem esclarecer se a frase «António Silva estreia-se a titular» (CNN Portugal – Jogo de preparação para o Mundial, Portugal vs Nigéria) está correcta.

O certo não seria «estreia-se como titular»?!

Obrigado.

Resposta:

Com efeito, como refere o consulente e de acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, para atualizar o sentido de «ter o seu primeiro desempenho», o verbo estrear-se constrói-se com como:

(1) «Ele estreou-se como gerente de loja.»

Identificamos o uso da preposição a com o verbo estrear-se para introduzir sobretudo constituintes de natureza temporal:

(2) «Ele estreou(-se) a 20 de janeiro.»

Disponha sempre!

Pergunta:

Na frase «Ao fim de um mês foi bater à porta da mãe», «ao fim» é uma locução adverbial de tempo?

Resposta:

«Ao fim de» pode ser entendido como uma locução prepositiva. Trata-se de uma locução construída por preposição + nome + preposição, que, neste caso, é equivalente à preposição simples após:

(1) «Após um mês foi bater à porta da mãe.»

Disponha sempre!

Pergunta:

Em frases do tipo «Não deves pisar a relva», estamos perante a modalidade deôntica de obrigação ou de permissão?

Grata pela vossa disponibilidade.

Resposta:

No caso em apreço, a frase veicula um valor de modalidade deôntica com valor de obrigação.

O valor de obrigação pode ser identificado por meio do estabelecimento de equivalência com o predicado «ter a obrigação de»1. Assim, num contexto em que o professor diz aos seus alunos:

(1) «– Devem estudar a gramática.»

A frase (1) é equivalente a (2), o que evidencia que se está perante a modalidade deôntica com valor de obrigação:

(2) «Têm a obrigação de estudar a gramática.»

Esta equivalência não se pode estabelecer, contudo, entre as frases (3) e (4), o que indica que a frase (3) veicula uma leitura deôntica com valor de permissão:

(3) «Eles podem estudar gramática.»

(4) «Eles têm obrigação de estudar gramática.»

Ora, no caso da frase apresentada pela consulente, é possível estabelecer a equivalência com a construção «ter obrigação de»:

(5) «Não deves pisar a relva.»

(6) «Tens obrigação de não pisar a relva.»

Pelo exposto, podemos concluir que a leitura da frase (5) aponta para a modalidade deôntica com valor de obrigação.

Disponha sempre!

 

1. Para mais informações relacionadas com o valor modal e a negação, cf. Oliveira e Mendes in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 654 – 657.

Pergunta:

Soa-me bem dizer: «fazer uma pergunta» e «colocar uma questão». Já me soa bastante mal: «colocar uma pergunta» e «fazer uma questão».

No entanto, ao ouvir repetidamente um colega dizer «deixe-me fazer-lhe uma questão» pergunto: esta frase está correta?

Muito obrigada!

Resposta:

Numa perspetiva que segue de perto os significados de base dos verbos, consideram-se opções corretas «fazer uma pergunta» ou «pôr uma pergunta», visto que a significação dos verbos fazer e pôr se compatibiliza com a ação de perguntar.

A expressão «colocar uma questão» é censurada por algumas perspetivas, que a consideram um galicismo (tradução direta de «poser une question») e que criticam a associação de um verbo que implica movimento ao nome questão. Há quem censure também a construção «fazer uma questão» porque se considera que esta constitui um desvio da expressão «fazer questão» (que significa “ter vontade, interesse”).

Não obstante, refira-se que o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea regista as construções «colocar uma questão», «colocar uma pergunta» e também a construção «pôr uma questão». Nalguns contextos, estes usos parecem associar-se à perceção de que estas construções correspondem a um nível de língua mais cuidado. Eventualmente porque serão construções mais recentes na língua.  

Apenas para a construção «fazer uma questão» não encontrámos registo dicionarístico, embora uma busca no Corpus do Português, de Mark Davies, assinale o registo de alguns usos, que, todavia, não são significativos.     

Pelo que ficou dito, sugerimos o uso preferencial de «fazer uma pergunta» ou «pôr uma pergunta».

Disponha sempre!

Pergunta:

Tenho dúvidas sobre a utilização da seguinte expressão: "nacionalidade estrangeira". O seu emprego é correto ou não?

Se for correto em que situações se pode utilizar?

Ela é estrangeira. Ela é de nacionalidade estrangeira.

Estas duas expressões estão corretas?

Resposta:

As duas expressões estão corretas e têm uso corrente e, numa perspetiva não técnica, equivalente.

O nome nacionalidade pode ser usado, entre outros, com o sentido de «pátria, naturalidade» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha])

Por seu turno, o adjetivo estrangeiro tem, entre outros, o significado de «que é de outra nação; que não é do país em que se está ou a que se refere (ex.: cinema estrangeiro; língua estrangeira; literatura estrangeira; território estrangeiro). ≠ NACIONAL» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha]). Note-se que o uso deste adjetivo vai muito além da sinalização de pertencer a uma outra nação, pois pode referir a produção noutro país ou as relações do nosso país com outros países.

Se se referirem a uma pessoa, as duas expressões poderão ter sentidos semelhantes. Assim, uma «pessoa estrangeira» é aquela que pertence a outro país que não aquele em que se encontra, o que pode subentender ou não a ideia de nacionalidade, pois poderá apenas querer indicar-se a origem noutro país. Não obstante, falando de pessoas, a ideia de nacionalidade parece estar sempre de alguma forma subentendida.

Já uma «pessoa com nacionalidade estrangeira» é aquela que tem naturalidade numa nação que não aquela em que se encontra. A «nacionalidade estrangeira» será também um estatuto que se pode adquirir por meio de processos legais.

Uma pesquisa na Internet mostra que a expressão «nacionalidade estrangeira» é usada, com frequência, em legislação relacionada com o assunto.

Disponha sempre!