Bárbara Nadais Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Bárbara Nadais Gama
Bárbara Nadais Gama
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Licenciada em Ensino de Português Língua Estrangeira, mestre em Português Língua Segunda/Língua Estrangeira pela Universidade do Porto e doutoranda em Didática de Línguas. Foi professora de Português no curso de Direito da Universidade Nacional Timor Lorosae- UNTL, no ano letivo de 2011-2012.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber qual o gentílico de Manchester.

Segundo já li, é "mancuniano" (proveniente do inglês mancunian).

Obrigado.

Resposta:

 À exceção do Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, onde se regista a palavra indicada, na maioria dos dicionários consultados bem como no Corpus da Língua Portuguesa não se verifica a existência de mancuniano, parecendo por isso não haver um uso consistente desta forma1. Segundo, aliás, o Online Etymology Dictionary, mancuniano é decalque do inglês mancunian – de Mancunium, em latim medieval.

Neste contexto, parece-me oportuno recorrer aos sufixos mais frequentes -ense, -ês, -ano, -ino, e -o, pois normalmente são os elementos que se adicionam às raízes dos topónimos. Vejamos os seguintes exemplos: Angolaangolano; Argentinaargentino; Arméniaarménio; França – francês, etc.

Se considerarmos esta regra, então a juntar à raiz do topónimo Manchester, podem surgir as formas: manchesteriano ou manchesterense. E, se por outro lado considerarmos a raiz do inglês mancunian, então a um habitante de Manchester chamá-lo-emos mancuniês ou mancuniense.

1 Verifica-se, porém, o registo das formas mancuniano e mancuniense como ge...

Pergunta:

Uma Corrida em Salvaterra é o título de um conto, e gostaria de saber se este título pode ser considerado um nome próprio, ou se é constituído por determinante artigo indefinido + nome próprio + preposição + nome próprio. Gostaria ainda que me esclarecessem se os títulos de obras e de poemas são considerados nomes próprios, ou cada palavra é considerada na sua individualidade.

Resposta:

O título que apresenta é uma unidade textual, não é um nome próprio. Do ponto de vista da estrutura interna, pode ser constituído por um substantivo (próprio ou comum), um grupo sintático ou uma frase (ou até mais do que uma). A este respeito o Dicionário Terminológico considera que um título é a «[p]alavra ou grupo de palavras que identificam um texto manuscrito ou impresso, em geral pospostos ao nome do autor, mas que em certas épocas figuram antepostos (por ex., Os Lusíadas, de Luís de Camões, como se lê na primeira edição do poema)»; e acrescenta: «O título tem importância no plano da comunicação, porque estabelece liminarmente o contacto com o leitor, e no plano da interpretação, porque é o primeiro organizador textual a contribuir para a tematização do texto.»

Pergunta:

Como se designa a sardinha sem cabeça e sem vísceras? Escorchada, ou escochada?

Resposta:

Para designar a sardinha sem cabeça e sem vísceras, o termo que parece mais adequado e corrente é escochada. O Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (na Infopédia), considera escochar um regionalismo e define-o como «tirar a cabeça a (sardinha)», «tirar do osso» e «espatifar; matar». Por sua vez, o Dicionário Eletrônico Houaiss atribui-lhe o mesmo significado: «Regionalismo: Beira, Minho. Tirar a cabeça a (sardinhas), preparando-as para frigir ou guisar.»

Ainda assim, parece haver uma relação de significado entre escochar e escorchar. Se não, vejamos o que o Dicionário da Língua Portuguesa diz a respeito deste verbo: «Escorchar: Tirar a corcha ou a casca a; 2. Descortiçar; 3. Esfolar; 4. Crestar colmeias; 5. Ferir; 6. [fig.] estropiar.» Já o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], numa das suas definições, chega mesmo a atribuir a escorchar o significado de escochar: «[Portugal: Trás-os-Montes]  Tirar a cabeça à sardinha.»

Pergunta:

Em português deve escrever-se "puzzle", ou "puzle"?

Resposta:

Puzzle é um estrangeirismo que faz parte do léxico português. Contudo, se preferir utilizar palavras e expressões de origem portuguesa em lugar de anglicismos, o nosso léxico também disponibiliza quebra-cabeças (ou quebra-cabeça)1: «jogo que consiste em combinar diferentes peças para com elas formar um todo, que pode ser uma figura, um mapa, uma frase etc.» (Dicionário Eletrônico Houaiss).

1 Aceitam-se as duas formas no singular. Em Portugal, o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, acolhe quebra-cabeça (plural quebra-cabeças) e quebra-cabeças (no singular e no plural); mas o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa só apresenta quebra-cabeças. Em relação à lexicografia do Brasil, nota-se a mesma oscilação, embora, como forma de singular, quebra-cabeça pareça ter certo favorecimento: o Dicionário Houaiss regista apenas quebra-cabeça, enquanto o Dicionário UNESP do Português Contemporâneo consigna ambas as variantes. A linguista brasileira Maria Helena de Moura Neves comenta esta variação: «[quebra-cabeça] I. Essa é a forma no singular, registrada em dicionários [...]. 2. O plural é quebra-cabeças (verbo + substantivo) [...]. Entretanto, como ocorre em outros substantivos compostos do mesmo tipo (forma verbal quebra + substantivo complemento cabeça), o composto com o segundo elemento pluralizado (que é a forma indicada para plural) também é usado para o singular.»

Pergunta:

Tenho andado a ver algumas genealogias medievais, e deparei-me com a popularidade do nome Teresa. No site Behind the Name dão origem grega, no entanto não só referem que durante toda a Idade Média a sua popularidade estava restringida à Península Ibérica, como que o primeiro registo que existe é também ibérico. Gostaria de saber se, sendo verdade que os registos mais antigos se encontram apenas na Península Ibérica, já alguém alguma vez colocou a hipótese de este ser um nome de origem autóctone que, por acaso, coincide com o nome de uma ilha grega?

Resposta:

José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, considera que o antropónimo Teresa tem etimologia obscura, muito embora possa haver uma relação com Therasía, nome de duas ilhas, uma nas proximidades de Creta e outra da Sicília. No entanto, o autor salienta a origem hispânica da mulher de São Paulino de Nola (Meropius Pontius Paulinus), bispo de Bordéus (353-431), a qual se chamava Therasia de Compluto (perto de Alcalá), o que constitui «a primeira vez que se atesta tal forma antroponímica». José Pedro Machado observa ainda que esse nome ficou «confinado à nossa Península durante alguns séculos» e «[s]ó saiu dela por volta do século XVI, popularizado pela fama de Santa Teresa de Ávila (1515-1582). E, mais tarde, pela de Santa Teresa do Menino Jesus (1873-1897) [...]» (ibidem). Parece, portanto, plausível que o nome tenha origem na Península Ibérica, apesar de a sua etimologia continuar por desvendar.