Bárbara Nadais Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Bárbara Nadais Gama
Bárbara Nadais Gama
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Licenciada em Ensino de Português Língua Estrangeira, mestre em Português Língua Segunda/Língua Estrangeira pela Universidade do Porto e doutoranda em Didática de Línguas. Foi professora de Português no curso de Direito da Universidade Nacional Timor Lorosae- UNTL, no ano letivo de 2011-2012.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Quando dizemos as horas em português, não utilizamos artigo? À pergunta «que horas são?» respondemos, por exemplo, «são quatro e cinquenta»?

Muito obrigada.

Resposta:

Efetivamente, em português, não se costuma utilizar o artigo definido (o/os, a/as) com as horas em resposta à pergunta «que horas são?». Entendemos esta pergunta sem um sujeito marcado e com um determinante equivalente a quantas – «Quantas horas são?»; responder-se-á, adotando o exemplo da consulente, «são quatro e cinquenta» ou «é uma hora». Noutros contextos, ocorre o artigo definido, quando se pretende referir uma hora precisa ou uma hora marcada: «o comboio chegou às [= a + as] quatro e cinquenta»; «tenho consulta às 18h00».

Pergunta:

O verbo solidificar é um verbo defetivo unipessoal?

Muito obrigada!

Resposta:

O verbo solidificar, porque se refere a um fenómeno físico, pode ser encarado como defetivo impessoal. Com base em Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 2000, p. 443) este tipo de verbos, os que exprimem fenómenos da natureza, como chover, trovejar, ventar, só aparecem na 3.ª pessoa do singular.

Contudo, solidificar poderá surgir também em contextos com valor metafórico, em referência também a pessoas, tal como regista o Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira: «Ficaram todos contentes e logo o sacristão solidificou a sua ideia» (Aquilino Ribeiro, Terras do Demo, 1919). Observe-se que, na fonte consultada, contam-se apenas ocorrências da flexão do verbo na 3.ª pessoa. Contudo, no corpus da Linguateca, registam-se exemplos da flexão do verbo na 1.ª pessoa: «E eu, ou abandono e coloco à frente do bar alguém mais novo ou, então, solidifico e faço um bar sobre o qual os mais novos dirão: "não podemos ir lá porque encontramos os nossos pais".»

Em suma, apesar de eventuais usos na 1.ª e 2.ª pessoas da flexão, trata-se de um verbo predominantemente defetivo impessoal.

Pergunta:

Quando se usa «em honra a» e quando «em honra de»?

Resposta:

Não há diferença entre as locuções «em honra a» e «em honra de», mas esta parece mais usada que aquela.

Sobre a expressão lexical que a consulente refere, o Dicionário Houaiss regista exemplos em que se utiliza a preposição a, em relação a entidades concebidas como concretas ou abstratas:

  1. «Um templo em honra aos antigos deuses.»
  2. «Um altar em honra à santa padroeira.»
  3. «Façamos um brinde em honra aos ilustres visitantes.»
  4. «Um poema em honra à beleza e ao amor.»

Em relação a um acontecimento, o mesmo dicionário apresenta a expressão em causa regendo a preposição de:

«Uma festa em honra de um aniversário.»

Note-se, porém, que o Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira regista um número de ocorrências de «em honra de» superior ao de «em honra a», sem que se possa determinar uma preferência quanto à natureza semântica da expressão nominal que completa a locução. Refira-se ainda que nas fontes consultadas não se assinala tradição normativa que favoreça uma forma em detrimento da outra.

Pergunta:

Minha dúvida tem a ver com o cabimento da derivação prefixal com in na formação do antônimo de intencional. Nas consultas de Internet que realizei, encontrei registros da palavra "inintencional". Sem embargo fontes mais autorizadas e confiáveis navegam em sentido oposto. Não me vem à cabeça nenhuma razão obstante de tal formação, haja vista encontrarmo-la em (in)inteligível, (in)obstante, (in)imputável, para ficar nalguns exemplos apenas. Afinal, é válida ou não a palavra?

Agradeço desde já o esclarecimento da questão formulada.

Resposta:

Tal como o consulente, também não encontrei nas fontes consultadas registo da palavra inintencional. Contudo, o Dicionário Priberam e o Dicionário Eletrônico Houaiss registam a palavra desintencional.

Sobre o prefixo des-, o Dicionário Houaiss diz tratar-se «de forma vernácula, extremamente prolífico, sobre o qual comenta J. P. Machado: "De indubitável origem latina, não se esclareceu ainda definitivamente de que palavra ou locução; há duas sugestões: dis-, para uns; de ex, para outros (...)"; exprime sobretudo:

1) oposição, negação ou falta: desabrigo, desamor, desarmonia, desconfiança, descortês, desleal, desproporção, dessaboroso;

2) separação, afastamento: descascar, desembolsar, desenterrar, desmascarar;

3) aumento, reforço, intensidade: desafastar, desaliviar, desapartar, desferir, desinfeliz, desinquieto».

O prefixo in-, por seu lado, pode referir:

— privação ou negação: ilegal, inativo, impermeável.

— movimento para dentro: induzir, imiscuir-se.

Note-se, portanto, que des- e in- não têm exatamente o mesmo significado, mas convergem quando ambos exprimem negação (descontente = «não contente»; infeliz = «não feliz»). A forma inintencional afigura-se, portanto, aceitáve...

Pergunta:

Tenho uma dúvida:

Alguns dicionários trazem definição para as palavras propositalmente e propositadamente. Porém o VOLP não contém estas formas. Elas existem?

Resposta:

O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa regista a palavra propositadamente («advérbio; de modo propositado») e proposital («adjetivo de dois géneros; o mesmo que propositado»).

De um modo geral, os dicionaristas parecem registar como forma mais vernácula o advérbio propositadamente, derivado do adjetivo propositado, «em que há propósito, feito com alguma intenção» (Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa).

Contudo, a forma propositalmente é totalmente válida, uma vez que o adjetivo proposital existe de facto no vocabulário da língua e, portanto, tal como propositado, também pode dar origem a novas palavras, como, no caso, o advérbio propositalmente.

Resta ainda assinalar que proposital e propositalmente são característicos do português do Brasil, conforme descrição de Maria Helena de Moura Neves (Guia de Uso do Português, São Paulo, Editora UNESP, 2003), com base na análise de um corpus textual:

«Em qualquer acepção as formas propositado e propositadamente são tradicionalmente recomendadas como preferíveis às formas proposital e propositalmente, consideradas como mal formadas (propósito + al). [...]

«A forma proposital, entretanto, é a forma quase exclusivamente usada (99%). Propositalmente, por outro lado, é tão freqüente quanto prop...