Bárbara Nadais Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Bárbara Nadais Gama
Bárbara Nadais Gama
16K

Licenciada em Ensino de Português Língua Estrangeira, mestre em Português Língua Segunda/Língua Estrangeira pela Universidade do Porto e doutoranda em Didática de Línguas. Foi professora de Português no curso de Direito da Universidade Nacional Timor Lorosae- UNTL, no ano letivo de 2011-2012.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A frase «As etapas referentes ao pré-campo, campo e pós-campo foram executadas consoante esta nova metodologia» está correta? A pergunta se deve ao fato de que a introdução do plural consoantes, em lugar do singular consoante, me causa certa estranheza, a despeito de, ao fim e ao cabo, a consonância que tento expressar se referir às «etapas».

Muito obrigado!

Resposta:

A frase que o consulente apresenta está correta, porque consoante1 ocorre como preposição, ou seja, como palavra invariável, que pode ser substituída por expressões como «de acordo com» e conforme:

«As etapas referentes ao pré-campo, campo e pós-campo foram executadas conforme/de acordo com esta nova metodologia.»

A Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, p. 1562/1563), classifica consoante e conforme (como segundo) como "preposiçôes atípicas", por se afastarem do comportamento canónico dos membros da classe das proposições, e acrescenta:

«Usadas como preposições, as formas consoante e conforme marcam uma relação semântica de correlação ou correspondência [...]

[i] [...] Atuaremos [consoante/conforme a conjuntura].

O comportamento atípico destes itens reside no facto de poderem também funcionar como conjunções, introduzindo uma oração subordinada adverbial finita sem coocorrerem com a conjunção integrante que [...]:

[ii] [...] [{Consoante/Conforme/Segundo} a Maria contou ao Pedro], a bulha começou no bar.»

Sublinhe-se, portanto, que consoante é uma conjunção conformativa (cf. Dicionário Houaiss).

Refira-se por último que também se emprega consoante como adjetivo, regendo a preposição com (Gramática do Português, p. 1562): «uma atitude consoante com o seu estatuto» (idem).

Pergunta:

O que são universais linguísticos?

Resposta:

O Portal da Língua Portuguesa, apoiando-se em David Crystal (A first dictionary of linguistics and phonetics. Boulder, CO: Westview. 1980), define universais linguísticos como um termo «usado em linguística e especialmente no âmbito da gramática generativa para referir as propriedades comuns das línguas humanas. A descoberta e descrição destas propriedades que caracterizam a faculdade da linguagem humana constitui o objetivo fundamental da teoria linguística. Dependendo da componente gramatical a que nos referimos, podemos falar de universais fonológicos, universais sintáticos, universais semânticos, etc.».

Convém ainda referir que este termo é também muito utilizado nos estudos inspirados pelas propostas do linguista Noam Chomsky.

Pergunta:

Qual o processo de formação da palavra pancada?

Resposta:

A palavra pancada é formada por um processo de sufixação. Ao radical do substantivo panca acresce-se o sufixo -ada. Sobre este afixo diz o Dicionário Eletrônico Houaiss tratar-se de um sufixo formador de substantivos a partir de substantivos. Outros exemplos são: abacatada, alvorada, bolada, carneirada, correada, facada, laranjada, limonada, mesada, noitada, novembrada, temporada, vassourada, etc.

Observe-se ainda os diferentes significados atribuídos às palavras em questão (Dicionário Eletrônico Houaiss, Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss/Objetiva, 2001):

1. panca: «pau grosso que serve como alavanca; Regionalismo: Brasil. Uso: informal. Postura estudada; pose.»

2. pancada: «choque que um corpo dá e recebe no instante em que se encontra com outro; ato de espancar; bordoada, paulada; barulho de um corpo ao cair ou ao bater em outro; baque.»

Pergunta:

A expressão «meia arrastão» possui hífen?

Agradeço antecipadamente.

Resposta:

Recomenda-se o uso de hífen, dado ser um composto formado por dois substantivos, estando o segundo a especificar o primeiro: meia-arrastão («meia de malha aberta»).

À semelhança deste exemplo, a Base XV do Acordo Ortográfico de 1990 atribui hífen às «[...] palavras compostas por justaposição que não contêm formas de ligação e cujos elementos, de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal, constituem uma unidade sintagmática e semântica e mantêm acento próprio, podendo dar-se o caso de o primeiro elemento estar reduzido: ano-luz, arcebispo-bispo, arco-íris, decreto-lei, és-sueste, médico-cirurgião, rainha-cláudia, tenente-coronel, tio-avô, turma-piloto; alcaide-mor, amor-perfeito, guarda-noturno, mato-grossense, norte-americano, porto-alegrense, sul-africano; afro-asiático, afro-luso-brasileiro, azul-escuro, luso-brasileiro, primeiro-ministro, primeiro-sargento, primo-infeção, segunda-feira; conta-gotas, finca-pé, guarda-chuva

Refira-se que meia-arrastão pode ocorrer com a forma «meia-calça de arrastão», que também aparece como «meia-calça arrastão» – a qual, atendendo ao preceito atrás exposto, deveria grafar-se meia-calça-arrastão, que se revela inusitada por juntar três substantivos. Arrastão, entre outras aceções, significa «tecido de malhas bem abertas, ger. us. para fazer camisas, meias etc., cuja trama lembra a de uma rede» (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Na frase:

«Compreendemos a generalidade dos autores consultados que admitem a dificuldade em desenvolver uma política de saúde pública destinada a cada doença.»

Pergunta:

O verbo admitir deverá estar no singular, a concordar com «a generalidade», ou no plural, a concordar com «autores consultados»?

Muito obrigada.

Resposta:

Não se pode dizer que as duas formas de fazer a concordância apresentadas pela consulente estejam incorretas, mas há razões que levam a preferir o plural («admitem»).

Não obstante a concordância poder ser feita com o núcleo da expressão – «a generalidade» – ou com a expressão que a especifica – «autores consultados», existe  uma pequena diferença no sentido a atribuir a cada uma delas:

1. «Compreendemos a generalidade dos autores consultados que admitem a dificuldade em desenvolver uma política de saúde pública destinada a cada doença.»

Num conjunto de autores, todos admitem uma dificuldade.

2. «Compreendemos a generalidade dos autores consultados que admite a dificuldade em desenvolver uma política de saúde pública destinada a cada doença.»

No conjunto dos autores consultados, há uma maioria que admite uma dificuldade (a minoria pode não proceder assim). Esta interpretação pode ter restrições semânticas porque sugere a possibilidade de haver duas generalidades, o que é manifestamente um ilogismo, se estivermos a falar do mesmo conjunto. No entanto, é possível com uma relativa restritiva no contexto adequado: o tópico do discurso são dois grupos de autores, cada qual tendo um tema que o preocupa e havendo a possibilidiade de identificar uma tendência geral.

Feito o confronto, reconheça-se que a interpretação 2, não sendo impossível, afigura-se tão rebuscada, que a interpetação 1 acaba por se revelar mais acessível à intuição – recomenda-se, por isso o plural, ou seja, a concordância com «os autores consultados».

Recorde-se que, na ausência de uma estrutura relativa, e se «a generalidade de autores consultados» fosse o sujeito de oração com o verbo admitir