Ana Carina Prokopyshyn - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Ana Carina Prokopyshyn
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Ana Carina Prokopyshyn (Portugal, 1981), licenciada em Línguas e Literaturas Modernas (2006) e mestre em Linguística Geral pela FLUL (2010). Desde 2010 frequenta o doutoramento em História Contemporânea (Lusófona e Eslava). Participou com comunicações e a nível da organização em várias conferências internacionais, e presta serviços em várias instituições como professora de Português para estrangeiros, tradutora e revisora. Atualmente é leitora de Língua e Cultura Russa I e II na mesma universidade e investigadora no Centro de Línguas e Culturas Lusófonas e Europeias. Colabora como consultora de língua Portuguesa no Ciberdúvidas desde 2008.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Tenho ouvido, não sem surpresa, comentaristas de veículos televisivos, ao informar resultados de jogos de futebol, expressando-se assim:

«O Flamengo perdeu do Vasco.»

Esta construção está correta, não seria: «O Flamengo perdeu para o Vasco»?

Grato.

 

Resposta:

As preposições regidas pelo verbo perder, no sentido de «perder um desafio/confronto», em português europeu, são com e contra:

(1) «O Sporting perdeu no jogo de ontem com o Trofense (...). A equipa dos casados perdeu contra a dos solteiros (...).»

No sentido de «perder algo que se possui», pode-se utilizar a preposição para, indicando «quem tomou posse do que se perdeu»:

(2) «Era evidente que os renovadores tinham perdido votos para o PSD e não para o PS.»
 
Já no português do Brasil, o mesmo verbo com o sentido de (1) e (2) rege as preposições de e para:

(3) «Cega de amor, só perde para labaredas de amor.»
(3.1) «A capivara lerda é capaz de perder uma corrida do jabuti?»
(3.2) «Na última, Alvissareiro somente perdeu para Ufanoso.»

Tendo em conta que o exemplo que nos enviou segue a norma do Brasil, consideramos ambas as versões correctas («O Flamengo perdeu de/para o Vasco»).

Referências:

Busse, Winfried, 194, Dicionário Sintáctico de Verbos Portugueses, Coimbra:
         Almedina.

Borba, Francisco da Silva, 1991, Dicionário Gramatical de Verbos do Português Contemporâneo do Brasil, (2.ª ed.), São Paulo: Editora Unesp.

Pergunta:

Gostaria de saber se existe em português a expressão «decisão informada».

Agradeço desde já a atenção.

Resposta:

A expressão «decisão informada» é de uso frequente no português, e pode ser encontrada em vários tipos de registo. Sintacticamente, a expressão não revela qualquer anomalia, sendo composta por um substantivo/nome feminino no singular, decisão, e por um adjectivo avaliativo, informada, que, por estar associado ao substantivo, concorda com este em género e número:

(i) «Decisão informada

Caso contrário, estaríamos perante estruturas agramaticais como as seguintes:

(ii) *«Decisão informadas
(iii) *«Decisão informado

O adjectivo em questão modifica o substantivo. Vejamos outras expressões com adjectivos deste tipo:

(iv) «Decisão surpreendente
(v) «Decisão acertada

Do ponto de vista semântico, a expressão não é tão transparente, pois o adjectivo associa-se a um nome [+humano], que não é o caso de decisão, [-humano]. Contudo, subentende-se um agente [+humano] que desenvolve a acção de «tomar uma decisão», decisão esta, informada ou não.

Pergunta:

Gostaria que me informassem qual a função sintáctica desempenhada pela palavra mesmo numa frase do seguinte tipo:

«Ele esperava mesmo uma boa nota.»

Resposta:

A função básica do advérbio é modificar o verbo, e, por vezes, acrescentar informação adicional à frase, complementando-a. A tradição gramatical costuma organizar os advérbios em classes baseadas em critérios nocionais, dividindo-os em classes: de lugar; de tempo; de modo; de intensidade ou quantidade; de afirmação; de negação e de dúvida. Para além destes, a Nomenclatura Gramatical Portuguesa acrescenta ainda três tipos de advérbios: de ordem, de exclusão, de inclusão, de rectificação, de realce, de designação, explicação, expletivo, etc.
 
É de notar que um advérbio pertencente a uma dada classe, pode ser, em determinada ocorrência, classificado de outra forma, um mesmo advérbio pode ainda pertencer a duas classes, consoante o emprego, como é o caso de mesmo:

1. Advérbio de inclusão

«Até o professor se riu.»
«Ninguém veio, mesmo o irmão».

2. Advérbio de realce

«O Pedro leu mesmo o livro.»

3. Advérbio de afirmação

«Ele leu mesmo/ realmente/ efecivamente o livro

O advérbio tradicionalmente designa vários constituintes «complementos circunstanciais», pois exprimem vários tipos de circunstâncias; assunto, causa, companhia, concessão, condição, conformidade, dúvida, fim, instrumento, intensidade, lugar, modo, referência, tempo e negação.

Na frase «Ele esperava mesmo uma boa nota», «mesmo» modifica, indubitavelmente o verbo e tem escopo pelo seu complemento,  e tal como os advérbios de modo, ocorre, normalmente em posição pós-verbal. Se ocorresse numa outra posição na frase, esta teria uma interpretação diferente:

Pergunta:

Pretendo usar num texto a palavra copeira para designar a empregada que serve café à mesa numa cafetaria. Hesito na correcção desse uso, já que, embora ela seja abundantemente utilizada até para oferecer empregos desse tipo, os dicionários ligam-na sempre a casas ou hotéis, e não a cafés ou cafetarias. Está correcto usar, em alternativa a empregada de mesa, a expressão copeira (que eu preferia, esteticamente falando)?

Antecipadamente obrigado,

Resposta:

A palavra copeira aparece registada desde o século XV e significa, entre outras coisas, «mulher que serve à mesa e cuida da copa (dependência) de uma casa». A copa, por sua vez, também designada por copeira, «é um armário, compartimento, ou dispensa, onde se guardam produtos alimentares, louça, talheres e roupa de mesa».

É certo que a copeira, no sentido de «criada», também serve à mesa, mas não só, logo, não é simplesmente uma empregada de mesa. Por outro lado, a copeira pode ter apenas a função de cuidar da copa, e nem sequer servir à mesa, que é maioritariamente o serviço requisitado nos anúncios de oferta de emprego. Assim, conclui-se que não é legítimo usar a palavra copeira como sinónimo de empregada de mesa.

Referências:

Costa, J. Almeida, Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa: Porto Editora, 1952.

Dicionario Houaiss da Língua Portuguesa, Lisboa: Temas e Debates, 2003.

Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Editorial Verbo, 2001.

Figueiredo, Cândido, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Vol. I, Lisboa: Livraria Bertrand.

Silva, A. de Morais, Grande Dicionário da Língua Portuguesa.Vol. III, 10.ª  Edição, Lisboa: Editorial Confluência, 1951.

Torrinha, Francisco, Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa: Editorial Notícias, 2001.

Pergunta:

Chego ao balcão e solicito: «Desejo uma caixa de papelão.» Entregam-me uma caixa construída com papelão.

«Desejo uma caixa de madeira.» Entregam-me uma caixa construída de madeira.

«Desejo uma caixa de ferro.» Entregam-me uma caixa construída de ferro.

«Desejo uma caixa de chocolate.» Entregam-me uma caixa construída de papelão, madeira ou ferro, mas com chocolate dentro...

Certo?

Resposta:

Papelão, ferro, madeira e chocolate são nomes não contáveis, também conhecidos por nomes massivos, ou seja, referem-se a conjuntos em que não é possível distinguir ou enumerar partes singulares e partes plurais.

Assim, estes nomes não designam uma parte singular, mas uma porção não especificada («de papelão, ferro, madeira e chocolate»), que pode ser quantificada de acordo com um certo padrão de medida («uma caixa», «um pacote», «uma resma», «uma tonelada», etc.).

Quando utilizamos estes nomes no plural, não se verifica uma oposição entre parte plural e parte singular, mas uma parte qualitativa desse conjunto, (ex.:«os chocolates suíços»; «as madeiras de pinho», etc.).

Os mesmos nomes podem ainda designar a matéria de que é feito um dado objecto, continuando a ser impossível enumerar partes singulares ou partes plurais dessa matéria (ex.: «uma caixa de madeira»; «uma mesa de ferro»; «um castelo de chocolate», etc.).

Conclui-se que, nas frases que indicou, a expressão «caixa de» é ambígua, pode indicar uma medida («de papelão», «de ferro», «de madeira» e «de chocolate»), ou um objecto (caixa) feito dessa mesma matéria. A mesma expressão pode ser desambiguada no contexto discursivo extralinguístico em que é expressa.