A. Tavares Louro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
A. Tavares Louro
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Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas — Estudos Portugueses e Franceses pela Faculdade de Letras de Lisboa. Professor de Português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Devido a motivos de tradução de material inglês para português, deparo-me com o problema da definição do género no nome da empresa para o qual trabalho: PokerStars.

Tal como me foi ensinado na universidade, as palavras estrangeiras, ainda não assimiladas pelo vocabulário português, são, por convenção, masculinas.

No entanto, eu e os meus colegas portugueses estamos num impasse no facto do género da palavra PokerStars. Pessoalmente, sigo a convenção do género masculino, mas os meus colegas seguem a ideia de que os nomes de empresas terão de ser femininos (a Microsoft, a TMN, etc.).

Gostaria que me tirassem esta dúvida que já me assombra há um tempo...

Resposta:

Cumpre-nos informar que a regra que nos diz ter sido ensinada na universidade não é vigente em Portugal. O masculino é predominante na língua portuguesa para as palavras estrangeiras originariamente do género masculino ou neutro. Contudo, nos dois exemplos apresentados, o feminino é espontâneo, visto que subentendemos que os nomes citados se referem a empresas ou marcas, que são do género feminino na língua portuguesa.

Pergunta:

Sura, do latim sura (barriga da perna), nome de família, tem alguma relação etimológica ou linguística com os suras, capítulos do Alcorão?

Obrigada.

Resposta:

Sura é uma palavra que possui diversos significados porque é uma convergência de vários étimos.

1 — sura — vocábulo religioso de origem árabe que também é dito surata; significa «capítulo ou versículo do Alcorão».

2 — sura — vocábulo anatómico de origem latina; significa «barriga da perna e perna».

3 — sura — «antigo povo da Índia».

4 — sura — «suco extraído das palmeiras e dos coqueiros».

5 — sura — vocábulo de origem brasileira correspondente ao feminino de suru e de suro. Significa «animal sem cauda ou apenas com uma pequena cauda».

Não há, portanto, relação etimológica entre sura, «barriga da perna, e sura, «capítulo do Alcorão», tratando-se somente de um caso de homonímia.

Pergunta:

Gostaria de saber acerca de uma pequena diferença de uma palavra que a meu ver define a interpretação do texto. É muito importante isso para mim e para toda uma comunidade cristã. Na realidade, claro que não estou em posição, mas precisava com urgência de uma explicação de um perito na área. Veja a seguir o texto:

«No Sermão do Monte, Jesus declarou plenamente que não podia haver dissolução do casamento, a não ser por infidelidade do voto conjugal. "Qualquer", disse Ele, "que repudiar sua mulher, a não ser por causa de fornicação, faz que ela cometa adultério; e qualquer que casar com a repudiada comete adultério." Mat. 5:32.»

O que aconteceria caso fosse substituída a palavra do para ao ao ser dito da exceção no texto? Haveria alguma diferença? Eu entendo que sim. Claro que não é posição de vocês fazerem teologia, mas para que seja entendido o meu ponto de vista é necessário explicar. O texto da Bíblia abaixo é a fonte pela qual o autor acima tira sua conclusão, sendo que entendo que:

O texto mais esclarecedor quanto ao significado de fornicação (na Bíblia isto), que é a base para o autor dizer «infidelidade do voto conjugal» no seu texto, baseado isto numa interpretação do que seria a cláusula de exceção de Jesus, é este: «Mas agora procurais matar-me, a mim que vos falei a verdade que de Deus ouvi; isso Abraão não fez. Vós fazeis as obras de vosso pai. Replicaram-lhe eles: Nós não somos nascidos de fornicação; temos um Pai, que é Deus.» (João 8:40-41) Fica claro o significado da palavra no episódio de Maria, sendo que ela era acusada de fornicação; em Maria, quando noiva de José, não casada ainda, tinha sido gerada pelo Espírito Santo uma criança (Jesus), sendo que José pensou que ela tinha sido infiel a ele, e que ela deveria ser entregue para...

Resposta:

O mais que podemos fazer é abordar os aspectos linguísticos da sua questão, pelo que não responderemos ao problema de distinguir infidelidade de adultério nos textos bíblicos. Interessa, pois, é descrever o uso do substantivo infidelidade.

Assim, diremos simplesmente que a proposição de indica, normalmente, o ponto de partida, a origem ou a posse; a preposição a indica, normalmente, proximidade, destino ou movimento para. Além disso, a expressão ser fiel é seguida pela preposição a, como, por exemplo: «ele foi infiel à palavra dada» e «ele foi infiel à namorada».

Em relação ao texto apresentado, a preposição de induz-nos a subentendermos que a infidelidade provém do voto conjugal, que, realmente, não possui vontade própria; mas, se usarmos a preposição a, subentendemos que alguém foi infiel ao voto, ou seja, infiel àquilo que prometeu.

Pergunta:

«Deixa de andar na Lua e desce à Terra» está inserido na classe dos provérbios?

Resposta:

A frase «Deixa de andar na Lua e desce à Terra» não é um provérbio, porque os provérbios correspondem a regras gerais referidas às emoções, aos usos e costumes, a fen{#ó|ô}menos físicos, etc.

Exemplos: «Em Roma sê romano», «Quem o feio ama bonito lhe parece», «Em Abril, águas mil», etc.

Na frase apresentada, encontramos um conselho particular que corresponde a uma figura de estilo denominada antítese porque opõe a Lua à Terra para ilustrar a diferença entre a fantasia e a realidade. Trata-se mais da apropriação em discurso da expressão idiomática «andar/viver na lua» («andar/viver distraído»).

Pergunta:

Relativamente à dúvida da Sra. Santos e ao significado da palavra "chocarro", comunico que tive a mesma quando estava a apoiar o meu filho nos trabalhos de casa (anda no 2.º ano do 1.º ciclo, antiga 2.ª classe). Ao procurar no dicionário, reparei que existe uma palavra que se assemelha bastante: cocharro. O cocharro é uma escudela de cortiça usada no Alentejo e no Algarve; ou seja, é uma tijela de cortiça. Como na cantilena popular se faz menção ao chocarro como sendo de cortiça, penso que neste caso o que se passou foi um erro de tipografia, ou de grafia, dependendo de quem o tenha feito. Ou será que estou enganado?

Resposta:

Como no contexto (uma lengalenga), a palavra em apreço tem um encadeamento vocabular incoerente, as hipóteses de solução são muito variadas.

De facto, a palavra cocharro adapta-se a uma versão alternativa deste texto.

Aliás, os textos populares semelhantes têm normalmente várias versões de acordo com os locais onde são conhecidos e com as diferentes épocas.

É possível que a palavra chocarro tenha substituído a palavra cocharro por desconhecimento do significado deste vocábulo por alguém e depois aceite por outros contadores desta lengalenga.