Em Línguas e Culturas – Introdução à Etnolinguística e Oralidades Africanas (Edições Paulinas, 2024) o linguista e sacerdote católico Bonifácio Tchimboto propõe uma introdução as duas áreas de estudo: etnolinguística e as literaturas orais. Este autor angolano prossegue, assim, o seu trabalho de recuperação e valorização do património tradicional linguístico e cultural de Angola, numa linha de ação com alcance também político (do mesmo autor, ver na Montra de Livros as apresentações de Do Desprezo ao Apreço do Nome e Ética e Pedagogia na Literatura Oral Africana) .
No prefácio (pp. 7-8), escrito por Albert Ngeni Mundele (Universidade Católica da África Oriental, Nairobi, Quénia), identifica-se o enquadramento académico da obra e do autor. Na "Introdução" (pp. 11/12), Tchimboto expressa de modo muito sintético e direto a grande finalidade do trabalho apresentado: a etnolinguística como estudo da "relação da língua com a cultura de um povo determinado" (p. 11) e como metodologia de acesso à oralidade das culturas da África subsaariana, através das quais se podem conhecer os "arquétipos do pensamento e da ciência africana sobre o homem" (ibidem).
Seguidamente, Línguas e Culturas estrutura-se em dez capítulos, os quais se repartem em duas vertentes solidárias: uma dedicada a noções de linguística, com destaque para a distinção entre a etnolinguística da sociolinguística, em que se menciona o contributo da hipótese de Sapir-Whorf e as correntes do generativismo inspiradas por Noam Chomsky; e uma segunda parte consagrada à literatura africana de tradição oral, realçando a tradição bantu e, mais particularmente, o património em umbundo, língua falada nas regiões centrais de Angola. Os títulos desses capítulos são bastantes claros quanto aos temas tratados e à discussão associada a cada um: "Generalidades sobre a etnolinguística" (cap. 1, pp. ); "Relativismo e gerativismo linguístico" (cap. 2); "Etnolinguística e sociolinguística" (cap. 3); Bilinguismo e plurilinguismo (cap. 4); "Tipologia de línguas e variação linguística" (cap. 5); "Noções gerais sobre a literatura oral" (cap. 6); "Literatura oral na civilização humana" (cap. 7); "Particularidades da literatura oral africana" (cap. 8); "Géneros da oralidade africana" (cap. 9); e "Métodos e técnicas de pesquisa" (cap. 10).
A "Conclusão" (pp. 203/204) é um texto muito breve que deixa uma mensagem ambiciosa, como que profética, defendendo, com a metáfora «partir de casa», uma orientação pan-africana como estratégia para a afirmação de África no mundo. Defendendo a pertinência da etnolinguística e dos estudos da literatura oral africana, afirma o autor: «Partir de casa é partir da língua de casa, das línguas nígero-congolesas, das línguas bantu, da língua umbundu» (p. 204).
Escrito num estilo muito vivo, cujas frases parecem ecoar os dispositivos retóricos e oratórios da prosa vieirista, Línguas e Culturas desenvolve uma argumentação por vezes muito crítica da visão da escrita e do livro como fatores fundadores da literariedade e do conceito de literatura. A abordagem de Bonifácio Tchimboto é, portanto, muito útil pela clareza da exposição, ao mesmo tempo que as suas teses são estimulantes por desafiarem perspetivas que em Portugal talvez se aceitem sem discussão.
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