A assunção de que todo o pensamento está dependente da língua é o ponto de partida do artigo de Ana Martins no Sol.
Uma das vertentes do estudo sobre língua e a linguagem assenta no pressuposto de que a estrutura da língua determina a estrutura do pensamento. No primeiro quartel do século passado, Edward Sapir e Benjamin Lee Whorf desenvolveram a teoria de que os seres humanos não captam todos a realidade da mesma maneira, seja ela física ou abstracta. Essa percepção muda em função da língua específica que as pessoas falam.
A conceptualização de espaço, tempo, movimento, eventos, cores, assim como o desenvolvimento da compreensão da arte, ficção, humor e cortesia, por exemplo, estão dependentes, em maior ou menor grau, das estruturas da língua materna de um indivíduo.
Vem isto a propósito da necessidade de se reconhecer que muitos dos erros classificados como "erros de língua" são também erros de pensamento.
Considere-se, por exemplo, a redundância como a manifestação de uma actividade mental incapaz de progredir: «as idades etárias [das vítimas e dos agressores de violência doméstica] situavam-se claramente acima dos 50 anos» (DN, 22/08/08). Veja-se que etário significa já «relativo a idade».
Pense-se, a título de exemplo também, na graduação indevida de uma propriedade como uma falha no processo de categorização da realidade envolvente: «Praça da República será mais pedonal» (JN, 22/08/08). Note-se que uma praça é ou não é pedonal — não pode ser «muito, pouco ou relativamente pedonal»…
É deste modo que os chamados «atentados à língua portuguesa» se tornam simultaneamente em atentados à inteligência do cidadão comum.
Artigo publicado no semanário Sol de 20 de Setembro de 2008, na coluna Ver como Se Diz.