Quando éramos crianças, o meu pai ditava-nos uma frase que dizia assim: «Sem cansaço, dei cem passos até aos paços do concelho para pedir um conselho a um amigo sobre um conserto dum piano para dar um concerto em S. Carlos.» A dificuldade estava, como se imagina, em distinguir grafias de palavras que soam de forma semelhante: sem/cem; passos/paços; concelho/conselho; conserto/concerto.
Dizem-se homófonas palavras que apresentam a mesma pronúncia, mas grafias e significados diferentes. É o caso destes pares de palavras: soam de forma igual, escrevem-se de forma diferente e têm significados diferentes. Uma das principais razões da homofonia é o diferente caminho que as palavras levam ao longo da sua vida. Nessa viagem, palavras diferentes acabam por sofrer alterações ou evoluções que por coincidência as tornam parecidas com outras. Sem, por exemplo, é oriunda do latim sine, e cem tem a sua origem no latim centum. E foi nessa caminhada pela vida que acabaram por se tornar semelhantes na pronúncia, mas diferentes no significado e na grafia, pois provêm de étimos diferentes.
Os erros assinalados neste texto são erros graves. Graves por duas razões. É grave a confusão da homofonia da palavra cresce, que neste caso se deveria escrever creche, pois trata-se do aportuguesamento do francês crèche, e não da forma do verbo crescer.1
Atenção, pois, às palavras homófonas.
Outro erro deste texto é o que assinalámos em primeiro lugar. Felizmente, não é prática corrente as pessoas sentarem-se num balcão. Felizmente, os portugueses são bem mais educados e nos bares costumam sentar-se ao balcão.
A gravidade destes erros é que este excerto faz parte dum livro com objetivos didáticos, publicado por uma importante editora portuguesa. Se os livros didáticos confundem creche com cresce e sentam as pessoas nos balcões, mal vai a sociedade portuguesa. Além de que me interrogo: Por que razão terá o autor sentido a necessidade de dizer que o encontro não tem de acabar em engate?
1 O Ciberdúvidas teve já ocasião de explicar a origem desta palavra: «Não tem nada que ver com crescer. Creche representa o francês crèche, que significa «presépio, mangedoura», e daqui também o sentido de infantário», 17 de dezembro de 2007.