«[Referindo-se ao secretário-geral das Nações Unidas:] Talvez premido pelas circunstâncias agora, pela crise humanitária que vai se aprofundando na Faixa de Gaza, afetando inclusive funcionários das Nações Unidas […]». [GloboNews, 24/10/2023, no X (antigo Twitter)]
Surpreendeu-me há dias num post na rede social X a frase acima, da autoria do jornalista brasileiro, Marcelo Lins, em que o verbo premir é usado no sentido de exercer pressão sobre alguém: «Talvez premido pelas circunstâncias […]», diz-se, referindo-se ao secretário-geral da ONU. No português de Portugal diríamos «Talvez pressionado pelas circunstâncias […]», nunca «premido».
Em Portugal só se usa premir para expressar uma ação física: «premir o botão», «premir o gatilho», «premir uma tecla», «premir a campainha», «premir uma parte do corpo», por exemplo, como o atestam as 19 ocorrências de premido e as 119 de premir no Corpus CETEMPúblico, ao passo que no Brasil, a julgar pelo exemplo acima e por diversas ocorrências no Corpus Davies, usa-se também o premir para expressar uma ação psicológica, ou seja, no sentido de pressionar ou influenciar alguém.
Analisando as definições dicionarísticas, não há qualquer dúvida de que premir significa fazer pressão, como o atesta, por exemplo, o Priberam. Premir é, pois, «pressionar» na língua portuguesa, falada e escrita, nos dois lados do Atlântico. Portanto, se premir é «exercer pressão», se «exercer pressão» é «pressionar», se se pressionam coisas (botões, objetos, partes do corpo) e também pessoas («pressionar alguém» no sentido de obter algo), a única diferença não é tanto conceptual mas sobretudo prática, ou seja, de uso. É que enquanto no português de Portugal o premir usa-se apenas para ações físicas, no português do Brasil usa-se também para ações psicológicas. E é também nestas subtis diferenças que, interpenetrando-se, todos os dias se enriquece o léxico. Seria, pois, bom que, neste caso, os dicionários acompanhassem também a língua em ato e, tal como acontece com o pressionar, que possui as duas aceções – «1. fazer pressão sobre (algo ou alguém); comprimir» e «2. exercer pressão sobre (alguém); coagir; obrigar» – , o premir também as contemplasse, obviamente registando as diferenças de uso nas duas versões do idioma.