« (...) Na Gramática, as letras que têm muitas pronúncias são chamadas de polífonas. Nisso, o X é campeão. Seria excelente se tivéssemos uma pronúncia única e imodificável, mas a língua é mais fluida que senha da Netflix na família. (...)»
Marquei um xis, um xis, um xis no seu coração» (XUXA, 1992). O problema é sabermos como é a pronúncia desses xis em português. Se fosse em latim, estava fácil, mas nossa exótica língua deixou as coisas mais complexas
Faça uma reflexão. Imagine o quão difícil é para um estrangeiro se familiarizar com a língua de Afrânio Peixoto. É de quase endoidar saber que o <x> tem quatro pronúncias diferentes na frase «examine o próximo xerox».
Até os próprios lusófonos natos passam apuros com nosso léxico. Muitos biólogos, por exemplo, ficam perplexos com a pronúncia de exúvia (aquela epiderme que os artrópodes expelem após a muda), pois alguns entomólogos falam /eksúvia/ e outros, /ezúvia/.
É importante se atentar para a pronúncia, pois a sociedade acaba “julgando” as pessoas pelo modo que falam. Melhor então é evitar pronunciar /agrotóchico/ (agrotóxico), eksógeno (exógeno), trôuche/ (trouxe) ou /prákse/ (praxe).
Na Gramática, as letras que têm muitas pronúncias são chamadas de polífonas. Nisso, o X é campeão. Seria excelente se tivéssemos uma pronúncia única e imodificável, mas a língua é mais fluida que senha da Netflix na família.
Em português, o som do X mudou ao longo dos séculos, em diferentes palavras, por influência das letras que o acompanham, do dialeto em que é falado e da etimologia. Falávamos /máksimo/ e /próksimo/, mas esse /k/ tendeu a sumir quando o X se seguia de um I, ficando /mássimo/ e /próssimo/. Com exame, que era pronunciado /egzâme/, o que houve foi o sumiço do /g/. O mesmo vale para exúvia, cuja pronúncia mais adequada é, então, /ezúvia/.
O resultado é uma aparente falta de padrão na pronúncia. Veja o caso das sequência <exa>: em hexacampeão, o som é /ks/ porque hexa- é um radical de origem grega; em exame, o som é /z/ porque a palavra tem origem latina e é antiga em português; em mexa (do verbo mexer), o som é /ch/, pois vem do latim miscere, que não tem a letra <x>. São muitos os interferentes para que o povo prefira uma pronúncia a outra. As justificativas para todos os casos são tantas que apresentá-las aqui seria um exagero. Prefiro deixar o texto mais enxuto.
A pluralidade de pronúncia pode aparecer até para o mesmo radical. Olha que loucura! Para hexano, falamos mais /eksâno/, mas em hexágono, o mais falado é /ezágono/. Duas pronúncia para o mesma radical! Aí, para complicar, me vem o dicionário Houaiss afirmar que as pronúncias /egzâno/ e /egzágono/ também estariam corretas. Vixe!
E não para por aí. Em todas as esferas, o X gera mais confusão que os filmes da Sessão da Tarde. Os dicionaristas ainda estão brigando para decidir se sintaxe é mais bem pronunciado como /sintásse/ ou /sintákse/. Ora, se devemos falar /sintásse/, então taxonomia deveria ser pronunciado /tassonomía/, pois tem o mesmo radical.
O grande gramático Evanildo Bechara diz para pronunciarmos fênix como /fênis/, mas acho quase impossível.
Nesse bololô todo, há apenas umas poucas regras que podem nos ajudar:
• quando inicia a palavra, X tem sempre som de /ch/: Xuxa, xixi, xerófito;
• em nomes de origem indígena, africana, inglesa ou árabe, o X é falado /ch/ também: macaxeira, maxixe, xampu, elixir;
• em palavras de origem onomatopaicas (reprodução de sons), o X tem som de /ch/: xem-xem, xaxado, xoxo;
• o dígrafo XC tem som de /s/: excêntrico, excipiente.
No mais, vale a memorização e a consulta aos dicionários. Não é fácil, não, gente. Se a língua portuguesa pediu para ser complexa, acho que deu eco. Ainda assim, ela é o máximo!
Apontamento publicado no mural Língua e Tradição (Facebook) em 8 de outubro de 2022.