Linguagem neutra e a proibição no Brasil
Entre norma e inclusão
A chamada «linguagem neutra», também designada por «linguagem inclusiva», surgiu como proposta para tornar a comunicação mais representativa de identidades não-binárias e para combater marcas de género consideradas não inclusivas na língua. Expressões como todes, amigues ou o uso do pronome elu são exemplos dessa tentativa de neutralização, que ganhou espaço sobretudo nas redes sociais e em movimentos sociais.
Em novembro de 2025, o Governo brasileiro sancionou a Lei nº 15.263, de 14 de novembro de 2025, que integra a Política Nacional de Linguagem Simples e proíbe o uso da linguagem neutra em documentos oficiais e no ensino público. O texto legal determina que não se podem utilizar «novas formas de flexão de género e de número» da língua portuguesa em atos normativos, comunicações oficiais e materiais pedagógicos (art.º 5.º, XI). A justificação apresentada pelo Executivo é a preservação da norma culta e da clareza comunicativa, evitando alterações que possam comprometer a clareza da língua.
A medida, no entanto, gerou críticas, como na Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN), que considera a proibição um retrocesso e defende que a língua é dinâmica e deve acompanhar as transformações sociais. Em nota pública, a ABRALIN alerta que legislar sobre usos linguísticos pode limitar a liberdade de expressão e desconsiderar a diversidade cultural e identitária do país.
Entre os defensores da lei, destaca-se a preocupação com a unidade linguística e a facilidade de aprendizagem. Alterações artificiais, como a introdução de desinências neutras, podem criar barreiras pedagógicas, sobretudo em contextos escolares. Além disso, linguistas apontam que a língua evolui naturalmente, mas não por imposição normativa ou por modismos, sendo necessário preservar regras que garantam comunicação clara e eficiente.
Por outro lado, os críticos afirmam que a linguagem neutra é uma ferramenta de inclusão social, permitindo que pessoas não-binárias se sintam representadas. Para estes grupos, proibir o seu uso institucional significa negar visibilidade a identidades que existem na sociedade. Argumenta-se ainda que a língua é viva e sempre esteve sujeita a mudanças.
Em países como Espanha, França e Argentina, a questão tem seguido caminhos distintos. Na Espanha1, o governo oficializou o uso da linguagem inclusiva em documentos institucionais, justificando a medida como forma de promover igualdade e representatividade. Em sentido oposto, a França1 e 2 aprovou em novembro de 2023, através do Senado e com apoio do presidente Emmanuel Macron, uma lei que proíbe a linguagem inclusiva em documentos públicos, alegando que a forma do género masculino já desempenha a função de neutro e que estas alterações prejudicam a clareza e a aprendizagem, chegando a invalidar juridicamente textos que adotem tais formas. Também na Argentina3, o governo de Javier Milei determinou em fevereiro de 2024 a proibição do uso de formas neutras, como “@”, “x” ou a desinência “e”, em toda a administração pública, reforçada pelo Ministério da Defesa para as Forças Armadas, com o argumento de que a comunicação deve ser breve, clara e conforme as normas da Real Academia Espanhola. Estes casos revelam que, embora a linguagem inclusiva seja vista por alguns como sinal de progresso social, continua a enfrentar forte resistência em nome da compreensão e da unidade linguística.
Em Portugal, o tema é menos presente, mas já suscita discussão académica, com linguistas a alertar para os desafios práticos e pedagógicos da adoção da linguagem neutra, conforme artigos publicados pelo Ciberdúvidas da Língua Portuguesa (aqui e aqui e ver textos relacionados).
Em conclusão, a questão ultrapassa o âmbito linguístico: envolve cultura, identidade e poder. Resta saber se é papel do Estado regular práticas linguísticas ou se tais mudanças devem ocorrer de forma espontânea, mediadas pelo uso social. Enquanto isso, o debate continua a dividir opiniões entre a defesa da norma culta e a procura por maior representatividade.
