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O nosso idioma // Anglicismos

O termo sharenting

e a dificuldade na sua tradução

Com a crescente mediatização da vida quotidiana e a disseminação das redes sociais, o português tem acolhido um conjunto cada vez maior de neologismos vindos do inglês, como aqui temos dado conta, sobretudo ligados ao universo digital. Entre eles encontra-se sharenting, termo usado para designar a partilha, nas redes, de conteúdos relacionados com os filhos, prática que, além de crescente, tem sido discutida pelos potenciais riscos que envolve, desde questões de privacidade, até à exposição excessiva das crianças.

Do ponto de vista linguístico, sharenting é um estrangeirismo ainda em fase de integração. A sua própria formação ajuda a compreender porquê. A palavra resulta da fusão de sharing (partilha) com parenting (parentalidade), um processo designado por amálgama, definido como «processo morfológico que permite formar novas unidades lexicais a partir da fusão de duas ou mais unidades lexicais truncadas» (Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário, TLEBS), i.e., um processo que consiste em unir segmentos de duas palavras para criar uma terceira. Trata-se de um mecanismo particularmente produtivo em inglês, patente em smog (nevoeiro, de smoke + fog), brunch (breakfast + lunch) ou motel (motor + hotel), por exemplo. 

Chegada ao português, sharenting tem sido usada na sua forma original, em itálico ou entre aspas, seguindo a prática adotada para outros anglicismos recentes, como spoofing, fanfic, quishing ou brain rot, por exemplo, que permanecem sem equivalente estabilizado.

A dificuldade em traduzir sharenting decorre, justamente, da sua natureza amalgamada: a palavra condensa duas ideias distintas, o que torna pouco natural qualquer tentativa de tradução direta. Ainda assim, apresentam-se algumas propostas, com graus distintos de naturalidade: «partilha parental», expressão clara e alinhada com formações do tipo «controlo parental» ou «responsabilidade parental»; «hiperpartilha parental», que reforça o caráter de excesso associado, por vezes, ao termo; «partilha de conteúdos sobre os filhos», mais descritiva, embora mais extensa; ou "partilharentalidade", tentativa de aqui replicar a amálgama inglesa, mas artificial no sistema morfológico do português.

Convém notar que, ao contrário de palavras como futebol (do inglês football), esparguete (ou, no Brasil, espaguete, do italiano spaghetti) ou chofer (do francês chauffeur), que passaram por adaptações gráficas, e, por vezes, fonéticas, a forma sharenting dificilmente seguirá esse caminho. Soluções como "xarentingue" ou "charentingue" soam pouco naturais e contrariam a tendência atual do português europeu, que tem incorporado muitos anglicismos digitais mantendo a grafia original.

Assim, sharenting exemplifica bem o percurso típico dos neologismos tecnológicos na língua portuguesa: chega como empréstimo, circula na comunicação social, suscita dúvidas de adaptação e acaba por coexistir com traduções explicativas.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa