O verbo ir tem na sua significação matricial a ideia de movimento físico, de deslocação orientada de cá para lá. Ir é afastar-se e também partir. Ir é um movimento que pode mesmo descrever a passagem para outro estado. Diz o povo, «Ir desta para melhor» ou «Ir com Deus». É ainda possível «Ir com as aves», na voz do poeta.
Ir está presente em momentos-chave da vida, mas também nos pequenos detalhes. É o casaco que deve «ir bem» com a mala ou o dinheiro que tem de «ir para» o supermercado. Ir tanto expressa a conjugação harmoniosa como o fim ou propósito.
E combinado com diferentes preposições, o verbo ir atinge outros significados: acontece «ir atrás da conversa de alguém», quando se acredita no outro; ou em dia menos bom, um carro pode «ir contra um poste»; também é preferível não «ir em aventuras», porque não se deve participar no que não é de confiança; há quem se sinta dividido entre «ir para engenheiro» ou «ir para médico», se é de escolha de profissões que se trata.
Ir desdobra-se em combinações plurais; «ir à luta», «ir abaixo», «ir para o ar» ou «ir pelos ares». E, por vezes, não é preciso «ir mais longe» porque não «ir com a cara de alguém» nem sempre se resolve com um «vá lá».
Ir, verbo discreto e irregular, malcomportado nas conjugações e de comportamento imprevisível nas combinações, consegue descrever tantos movimentos numa amplitude que parece entrar em contradição com a pequenez de uma palavra que tem apenas duas letras.
Áudio disponível aqui:
[AUDIO: Carla Marques - Ir]
Crónica da professora Carla Marques na sua rubrica emitida no programa Páginas de Português, na Antena 2, no dia 19 de setembro de 2021.