Quando é que as denominadas «subtilezas de linguagem» e demais «expressões rudes» – vulgarmente conhecidas como insultos e injúrias – (não) são tidas como mera «muleta de linguagem» no entendimento dos tribunais chamados a pronunciar-se? E qual é a fronteira, para a jurisprudência portuguesa, para além da qual se ultrapassa o simples «calão grosseiro proferido como desabafo»? Um caso recente e muito mediático envolvendo o marido da ministra das Finanças portuguesa propiciou este levantamento de casos judiciais similares, num trabalho da jornalista Ana Henriques, saído no diário Público do dia 16 de julho p.p.
Decidir se certas liberdades de linguagem constituem meros desabafos inconsequentes, graves ofensas ao bom-nome ou crime de ameaça é tarefa nem sempre fácil para os juízes.
Em 2011 o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu, por exemplo, que a ameaça «Fodo-te os cornos», proferida numa discussão entre vizinhos, não era, afinal, lesiva da honra do seu destinatário, muito embora o Ministério Público tenha defendido o seu carácter ofensivo, comparativamente com o mais generalista «Vou foder-te todo» – expressão que, no entender do procurador que analisou a situação, é menos graduada no ranking dos insultos por não remeter para uma traição.
«A prática do crime de injúrias não se pode confundir com a utilização de expressões rudes, apenas utilizadas como muleta de linguagem. Assim sucede com expressões como ‘Você tem um feitio do caralho’ ou ‘Você é fodido’, que não extravasam da violação de normas morais, religiosas e de costume», escreveu.
Um ano depois, o Tribunal da Relação do Porto era chamado a pronunciar-se sobre o verdadeiro significado de um antigo ditado regional, «Ó putas do Rio Doiro, ide lavar ao Mondego, se não tiverdes sabão, tirai-o do cu com o dedo», usado numa discussão entre duas irmãs, e se ele era susceptível de afectar a honra da visada. Decidiu que sim.
[Na] quinta-feira [16 de julho p.p.] ficou a saber-se que o Supremo Tribunal Administrativo confirmou a pena disciplinar de advertência aplicada a um procurador que insultou um agente da PSP, após ter sido apanhado a conduzir e a falar ao telemóvel. O episódio aconteceu em 2009, no Seixal.
«Não pago nada, apreenda-me tudo, caralho. Estou a divorciar-me, já tenho problemas que cheguem. Não gosto nada de me identificar com este cartão, mas sou procurador. Não pago e não assino. Ai, você quer vingança, então ainda vai ouvir falar de mim. Quero a sua identificação e o seu local de trabalho», disse ao polícia.
Apesar da advertência disciplinar, o Ministério Público considerou não haver aqui nenhum crime de injúrias ou ameaças:
«Não obstante integrar um termo português de calão grosseiro, foi proferido como desabafo e não como injúria.
O autor da expressão desabafou sem que tenha dirigido ao autuante o epíteto, chamando-o ou sequer tratando-o por "caralho". Tal expressão equivale a dizer-se, desabafando, "Caralho, estou lixado". Admite-se que houve falta de correcção na linguagem, mas não de molde a beliscar a honorabilidade pessoal e funcional do agente».
[Na mesma rubrica, ver outros artigos incluídos na sub-rubrica Tabuísmos.]
Cf.: Como inventar um palavrão?, 20 insultos inconvenientes (e pouco conhecidos…)
In jornal Público do dia 16 de julho de 2015. Respeitou-se a norma anterior ao Acordo Ortográfico, conforme o original.