A Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário (TLEBS) transformou-se num assunto do dia, com apoiantes e detractores que escrevem como paladinos em defesa da sua dama, por vezes com afirmações que não traduzem a realidade, como, por exemplo, algumas de Maria Alzira Seixo (“Visão”, 26/11/2006), de Vasco Graça Moura (“Diário de Notícias”, 1/11/2006) ou de Maria do Carmo Vieira (“Jornal de Letras”, 11/10/2006), que apenas contribuem para lançar a confusão numa matéria que tem algumas novidades e é extensa, sendo, naturalmente, pouco conhecida da generalidade dos leitores.
Assim, como talvez interesse um texto algo desapaixonado sobre o assunto, vou fazer em primeiro lugar uma breve história do aparecimento da TLEBS e, de seguida, mostrar os aspectos negativos e os positivos.
Quando se estuda uma língua, é necessário denominar os factos linguísticos (as classes a que as palavras pertencem, as relações que estabelecem, as funções que desempenham, os termos que por elas são constituídos, etc.): é necessária uma terminologia.
Desde o início do século XX que se começou a defender uma uniformização na terminologia gramatical nos ensinos primário e secundário, de modo a evitar a multiplicidade de designações para uma mesma realidade, tendo, em 1927, o I Congresso do Ensino Secundário apresentado ao Governo uma proposta no sentido dessa uniformização, o que fez com que fosse nomeada uma comissão para o efeito, que não chegou a concluir os trabalhos. Entretanto, com o restabelecimento do regime de livro único (que vigorara no final do século XIX) – em 1936 para o ensino primário e em 1947 e 1948 para o ensino liceal e para o ensino técnico –, a uniformização passou naturalmente a existir, sendo em 1967 publicada, então, pela Portaria n.º 22 664, de 28 de Abril, a Nomenclatura Gramatical Portuguesa (NGP), que traduziu em letra de lei essencialmente a terminologia utilizada nas escolas, acrescida de algumas designações que, na época, constituíam inovação.
Com o 25 de Abril de 1974, as reformas educativas que se lhe seguiram, a abolição do livro único e a divulgação dos estudos linguísticos mais recentes, começaram manuais e gramáticas a utilizar alguns termos novos, que não faziam parte da NGP, verificando-se uma certa falta de uniformidade e por vezes a adopção acrítica de termos e conceitos. Surge, então, com a Portaria n.º 1488/2004, de 24 de Dezembro, a TLEBS, uma terminologia especializada, que pretende traduzir os avanços no campo da linguística enquanto ciência e conseguir a referida uniformização.
A TLEBS consiste numa listagem de mais de 700 termos, que se podem agrupar em três conjuntos: sensivelmente metade são termos da NGP, uma parte significativa são termos relativos a novas áreas de estudo, como, por exemplo, a pragmática e linguística textual, e uma parte menor é constituída por termos que substituem alguns da NGP. São precisamente estes últimos que têm merecido alguma reserva por parte de professores e um maior número de críticas, o que é natural, visto tratar-se por vezes não só de alteração da designação, mas também de alteração do próprio conceito (como, por exemplo, os conceitos de «modificação» e de «derivação» na formação de palavras).
Seis pontos críticos...
As críticas que podem ser feitas à introdução da TLEBS dizem respeito essencialmente a seis aspectos:
1.º – A introdução de uma nova terminologia sem a correspondente alteração dos programas ou a simples indicação dos assuntos a tratar em cada ano de escolaridade;
2.º – A ausência de informação sobre o grau de profundidade no tratamento de cada conteúdo indicado pelo termo da TLEBS;
3.º – A não existência de uma gramática de referência, da responsabilidade do Ministério da Educação, que contenha todos os termos e respectivos conceitos e que, portanto, uniformize não só os termos como os conceitos;
4.º – O facto de ter sido enviado às escolas um CD-ROM de apoio que, embora esclarecedor em muitos aspectos, contém uma metalinguagem desadequada aos níveis de ensino em causa e hermética para alguns ou muitos dos professores que saíram das faculdades há décadas, não estando, naturalmente, a par das últimas novidades no campo da linguística;
5.º – A existência nesse CD-ROM de algumas incorrecções e lacunas;
6.º – A adopção de uma perspectiva de linguística comparada com a espanhola, a francesa e a inglesa, que levou à introdução de termos sentidos como estranhos na descrição da matriz da língua portuguesa. Estão neste campo, por exemplo, os nomes contáveis e os não contáveis, o determinante nulo ou o sujeito nulo expletivo: é natural que professores que, durante mais de trinta anos, ensinaram que o verbo haver no sentido de existir não tem sujeito, se sintam violentados se tiverem de ensinar que, afinal, esse verbo tem um «sujeito nulo expletivo».
...e outras reservas sem fundamento
Outras críticas têm sido registadas, mas algumas sem fundamento.
Uma delas é aquela em que Maria Alzira Seixo comenta: «Em frases como “amanhã vou ao cinema”, essa linguística diz ainda que “vou” não é presente mas futuro» e «o advérbio de modo “supostamente” é classificado como “advérbio disjunto restritivo da verdade da asserção”; imaginem uma criança a decorar isto!». Não vale a pena imaginar, pois esse conceito e esta denominação não constam da TLEBS.
O mesmo se passa com exemplos dados por Vasco Graça Moura, apoiando-se em passagens de um artigo de Maria do Carmo Vieira: «Nos advérbios, encontramos coisas alucinantes como “advérbios disjuntos avaliativos”, “advérbios disjuntos modais”, “advérbios disjuntos reforçadores da verdade da asserção” e “advérbios disjuntos restritivos da verdade da asserção”. O sujeito indefinido passa a ser o luminoso “sujeito nulo expletivo”.» Ora os termos que especificam os advérbios disjuntos não constam da TLEBS, e o chamado «sujeito indefinido» não é aí classificado de «sujeito nulo expletivo», mas de «sujeito nulo indeterminado».
Finalmente, Maria do Carmo Vieira, além dos exemplos acima, ainda refere que «criança e testemunha» na TLEBS se transformaram em nomes epicenos, esclarecendo que «na gramática clássica os “substantivos epicenos” nomeavam animais irracionais, apresentando sempre o mesmo género (o abutre fêmea/o abutre macho).» Ora, se a autora prestar atenção à página da DGIDC na Internet, verá que essa gralha já foi assinalada e corrigida há meses, por meio de uma errata.
Utilidade assente em três evidências
Posto isto, afinal, que posição assumir perante a TLEBS?
A utilidade da sua existência assenta em três evidências:
1.ª – A urgência de uma uniformização na terminologia;
2.ª – A necessidade de haver termos que designem novos conceitos que foram sendo introduzidos aqui e além nos programas ao longo das últimas décadas e, em especial, os dos actuais programas do ensino secundário (em vigor há 3 anos), como, por exemplo, tudo o que diz respeito à coerência e coesão textual;
3.ª – O facto de a TLEBS resolver alguns problemas de identificação melhor do que a NGP, como, por exemplo, o complemento preposicional ou o complemento adverbial, exigidos pela regência do verbo em construções como «preciso de dinheiro», «discordo dessa posição», «vou a Coimbra» ou «estou aqui».
Assim, optando pela TLEBS, o Ministério da Educação deveria, porém, procurar manter o mais possível os termos da anterior nomenclatura, introduzindo apenas os relativos aos novos conceitos e fazendo um ajuste em relação aos restantes, seleccionando sempre o termo mais simples. É, também, fundamental a distribuição dos conteúdos pelos anos de escolaridade e a informação clara sobre o grau de profundidade com que cada conteúdo indicado pelo termo da TLEBS deve ser tratado, sem o que fica comprometida uma das principais bandeiras da TLEBS: a desejada uniformidade.
Versão integral do artigo publicado no semanário “Sol” do dia 25 de Novembro de 2006.