Disse recentemente o professor Paulo Feytor Pinto, presidente da Associação de Professores de Português, justificando o aparecimento da polémica TLEBS (Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário), que «no pós-25 de Abril, a gramática foi posta em causa». Uma realidade que presenciei e que deu início, não só à estratégia facilitista, agora, infelizmente, instalada na Escola, mas também à negligência da memória que, lamentavelmente, perdura ainda nesta nova Reforma. Com efeito, defenderam, então, alguns, que não era necessário os alunos saberem identificar os diferentes tempos verbais, ou dividir orações ou memorizarem as várias preposições e advérbios, entre muitos outros exemplos. Relembremos também que passou a ser considerado uma violência pedagógica a memorização da tabuada, substituída pela máquina de calcular.
No Ensino Unificado, propôs-se, então, aos professores de Português que levassem os alunos a «descobrir a gramática» (já descoberta, mas enfim...) e «a fazê-la no seu próprio caderno», abandonando-se o conselho de compra de uma gramática, enquanto instrumento imprescindível em casa, para um qualquer esclarecimento sobre a língua portuguesa. Esta farsa da descoberta da gramática estendeu-se igualmente ao estudo da Língua Francesa, tornando-se comum a designação de conhecimento activo e passivo para determinados aspectos gramaticais e aceitando-se que os alunos, por exemplo, identificassem os tempos verbais simplesmente por «presente, passado e futuro». Os que vinham com conhecimentos mais abrangentes, foram-nos silenciando, porque desnecessários. Iniciava-se o nivelamento por baixo, que a definição de objectivos mínimos na leccionação dos programas veio, posteriormente, agravar.
À afirmação acima transcrita, de Paulo Feytor Pinto, dever-se-ia acrescentar que se se quisesse reparar o erro, nada mais havia a fazer do que privilegiar, de novo, a gramática. No entanto, a verdade dos factos exige que se refira uma nova experiência linguística, que também se impôs, nessa altura, na Escola, designada por «Gramática Generativa» (ou a gramática das árvores, como era conhecida entre os alunos) e que acabou por provocar um caos na nomenclatura gramatical. Houve professores que optaram pela nomenclatura clássica e outros pela generativa, convivendo, por exemplo, artigo definido, adjectivo possessivo ou sujeito, predicado e complemento circunstancial, respectivamente com determinante definido, determinante possessivo, ou sintagma nominal, sintagma verbal e sintagma preposicional.
Foi-se, entretanto, reclamando, estando já decaída a moda «das árvores» que durou, aliás, pouco tempo, o retorno à uniformidade da nomenclatura gramatical, atitude que foi atendida (uns anos depois) pelo Ministério da Educação, tendo os professores sido então informados de que essa uniformização gramatical se estava a preparar (era então ministro da Educação, o professor David Justino).
Depois de uma espera paciente e confiante nos resultados do «estudo», foi com perplexidade e indignação que os professores receberam nova imposição de conceitos linguísticos, inovações caracterizadas por uma imensa complexidade – a dita TLEBS. É natural que a Linguística, enquanto ciência, investigue. Não é, no entanto, aceitável que imponha o tecnicismo de conceitos estéreis aos alunos do básico ao secundário, que para nada lhes servirão, antes os confundirão, tornando-se motivo de desprazer pela língua que falam, que se arrastará obviamente à leitura.
Em vez da esperada uniformização, surgiu uma complexa terminologia linguística, que a professora Filomena Viegas, «acompanhante em linha da TLEBS, na página da DGIDC-Ministério da Educação, candidamente afirmou «constituir referência para as práticas pedagógicas das disciplinas de Língua Portuguesa e de Português (...) cabendo aos professores o trabalho da transposição didáctica dos termos a usar em cada ciclo de ensino, no respeito dos programas em vigor». Face à polémica instalada na Escola, houve também já quem dissesse, pessoas ligadas, aliás, à elaboração da TLEBS, que tudo «depende do bom senso do professor». Melhor do que comentar estas declarações, será preferível apresentar diferentes exemplos desta nova terminologia, que porão a nu a sua difícil descodificação, para qualquer nível de ensino e a sua reduzida eficácia, tendo em conta os seus objectivos, ou seja, o de uniformizar a nomenclatura gramatical e o de possibilitar aos alunos, e a qualquer português, uma boa compreensão e reflexão da língua portuguesa.
Daremos alguns exemplos, retirados de manuais dos ensinos básico e secundário, de acordo com a nova Reforma e com os programas elaborados. Que não se venha, mais uma vez, com o argumento de que os manuais nada têm a ver com os programas, porque, na verdade, não há autor nenhum de manual que arrisque, sem o apoio do editor, contrariar o programa estabelecido pelo Ministério da Educação e as suas directivas. Daí a urgência na sua avaliação e revisão.
Eis, finalmente, alguns exemplos de carácter morfológico e sintáctico:
Livroseria agora classificado, para além de nome (ou substantivo) comum masculino do singular, como contável, não humano, inanimado.
Criança e testemunha, que na gramática clássica, e também em Lindley Cintra, se denominavam nomes sobrecomuns (substantivos ou nomes com um só género), transformam-se agora em nomes epicenos Refira-se que na gramática clássica os «substantivos epicenos» nomeavam animais irracionais, apresentando sempre o mesmo género (o abutre fêmea/o abutre macho).
Os antigos pronomes indefinidos, nomeadamente pouco, algum, muito, tanto ... passaram a quantificadores indefinidos, enquanto todo, ambos, cada, qualquer se consideram quantificadores universais. O mesmo acontece com os relativos – cujo, quanto – que se denominam quantificadores relativos.
O advérbio, que a TLEBS denomina também de modificador, quando o termo latino é perfeitamente compreensível para os alunos (junto do verbo, ou seja, que modifica o sentido do verbo), aparece igualmente subdividido em subclasses, as quais integram os nossos conhecidos advérbios de lugar, de tempo, de modo, de afirmação.... Designam-se essas subclasses por: advérbios disjuntos, adjuntos e conectivos. E repare-se agora nas várias subclasses semânticas em que se agrupam os advérbios disjuntos: advérbios disjuntos avaliativos (felizmente); advérbios disjuntos modais (possivelmente),advérbios disjuntos reforçadores da verdade da asserção (evidentemente) e advérbios disjuntos restritivos da verdade da asserção (supostamente).
Em Há, Anoiteceu ou Amanheceu, o sujeito era denominado inexistente, designação perfeitamente compreensível para os alunos. Agora, a inovação é de luxo e toma o mesmo sujeito a denominação de Sujeito Nulo Expletivo.
O nosso conhecido aposto ou continuado, que aparece normalmente entre vírgulas, é agora referido como modificador do nome apositivo, podendo-se ainda subdividir em:tipo nominal, adjectival, preposicional ou frásico.
Interromperei a enumeração de exemplos, porque os creio já suficientes e não tenho dúvida de que será uma questão de bom senso, como nos pediram, esquecer esta terminologia.
Artigo publicado no semanário "Jornal de Letras" de 11 de Outubro de 2006