Melhorar a educação implica progresso económico que crie condições para o conhecimento, mas desenvolver a economia depende também da qualificação educativa. Aprender correctamente, com matérias seleccionadas e dadas com rigor, leva a produzir melhor, talvez não em acumulação pecuniária mas noutra ordem de bens: saúde, ambiente, civismo, cultura, tempo para fruir a vida. E a propósito de aprender bem, deve atender-se a observações públicas feitas sobre a nova Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário (TLEBS) aprovada pela anterior ministra da Educação e proposta por um grupo de linguistas. Está ainda a ser testada mas regulará já os manuais escolares do próximo ano. Virão os resultados a tempo da elaboração ponderada dos livros para o ensino? Eis um dos muitos problemas que surgem.
Considerar a TLEBS mero instrumento de manuseio gramatical, como declarou, na rádio, Inês Duarte, autora da proposta e colega que muito estimo, não impede o processo reactivo a que a compreensão da Gramática vai ser sujeita, já que os nomes que damos às coisas não são inocentes, sobretudo em percepção e descrição da língua que se quer adequada e actualizada, o que incidirá no próprio corpo gramatical. Esses termos não são arbitrários e, no plano científico, cobrem a zona a que se aplicam e motivam-na também. Se a TLEBS muda, por exemplo, a designação de «substantivo» para «nome» e de «oração» para «frase», que não são conceitos coincidentes, e se se diz que sendo ambos possíveis se prefere o termo actualizado em estudos linguísticos, note-se que:
1) a Gramática, e muito menos a Língua, não são propriedade exclusiva do estudo da Linguística, ligam-se a outras disciplinas em que são cruciais: a Literatura (lugar da preservação de estruturas da língua e da consagração de modos da sua inovação) e a Filosofia, com a Lógica e a Filosofia da Linguagem;
2) não é aceitável que se proceda a alterações terminológicas segundo uma teoria específica dos fenómenos da linguagem, a perfilhada por Inês Duarte, cujo trabalho é apreciável em investigação mas, sem resultados consensuais na universidade, não é representativa para uma determinação ministerial;
3) a actualização que a TLEBS propõe tem um pensamento, o que lhe dá coesão (mas com muitas incoerências), e há que ver se esse pensamento favorece a qualificação educativa.
A TLEBS dirige a taxinomia da língua para raciocínios tecnicistas e funcionais, com uma óptica exclusivista e auto-suficiente que, não dialogando com áreas centrais do pensamento humanístico, estreita a compreensão gramatical. Defensores seus invocam a Semântica (o que é duvidoso, porque as explicitações são de tipo sintáctico) esquecendo que esta disciplina faz parte dos estudos literários, que não são tidos em conta. Também ouvi (e importa ver a utilização concreta, porque é assim que se irá ensinar) que se quer que cada conceito corresponda a uma só manifestação gramatical, o que não condiz com designações multivocabulares abstrusas que a TLEBS aceita, presentes em actuais manuais (ex: o advérbio de modo «supostamente» classificado como «advérbio disjunto restritivo da verdade da asserção»; imaginem uma criança a decorar isto!); e, a ser tal possível (poucos conceitos têm valência única), é incoerente preferir «nome» a «substantivo», por ser muito mais amplo e romper com a tradição filosófica milenar que funda a relação entre pensamento e linguagem, elevando-a acima do uso instrumental. Em frases como «amanhã vou ao cinema», essa linguística diz ainda que «vou» não é presente mas futuro. Ensinando assim, que modo de pensar fomentamos? Passar de resultados (controversos) da investigação à aplicação directa ao ensino é perigoso, tem consequências graves na expressão e no raciocínio. Não é por serem diferentes que as designações são inovadoras ou adequadas; Rodrigues Lapa mostrou, há décadas, relacionando linguística e literatura, que a estilística da língua matiza as categorias gramaticais e a actualiza em alterações da norma praticadas por escritores que criam valores que a categoria não contém e é a literatura que vai fixando.
Urge ouvir as várias especializações ligadas à língua, pois todos os graus de ensino são atingidos por esta nomenclatura e, indirectamente, outras disciplinas. Deve-se ponderar sobre o que tal alteração radical dará, e sobre a dificuldade da sua adopção imediata pelos docentes, passível de formulações incorrectas. E, sendo a TLEBS norma racionalizadora do ensino e não uma lei, admitamos que, se der azo a incorrecções, ninguém pode obrigar um professor a ensinar mal! Esta questão é de interesse público, não é minudência de especialistas: condiciona formas de lidar com a língua, incidindo em modelos de pensamento e, logo, da actuação em sociedade.