Antologia // Angola O Senhor Feijó * A escola de Catete não tinha mestre. A professora, que diziam ser de Lisboa, teria alegadamente fugido para Luanda para não mais voltar à vilinha do interior em que a administração colonial a depusera. Teria ficado, de início, assustada e, depois, farta da vida pelas terras do vasto mato angolano. Arlindo Barbeitos · 11 de julho de 1997 · 3K
Antologia // Brasil Tropeçando nos acentos Quero começar com uma declaração de amor: escritor brasileiro, adoro a língua portuguesa, esta "última flor do Lácio, inculta e bela", de que falava Bilac, o idioma em que foram escritas tantas e tão grandiosas obras de escritores como Saramago, Cardoso Pires, Lobo Antunes, Lídia Jorge, Pepetela (para não citar os brasileiros). Para celebrar o português, a riqueza do português, a musicalidade do português, nenhum elogio é bastante. Mas... Moacyr Scliar · 4 de julho de 1997 · 8K
Antologia // Portugal Sistema Impuro 1. Claro que o Português é uma língua maravilhosa. A prova é que se um ladrão me roubar eu encontro as palavras necessárias para lhe gritar atrás. Posso é não apanhar o ladrão nem recuperar a mala. Mas mesmo aí, fico com todas as palavras para me queixar, toda a sintaxe para expor, toda a morfologia para descrever a pessoa em causa e o facto ocorrido. E se ninguém me ligar, encontro todas as palavras para me revoltar e para dizer as frases que substituem a batida com a porta. Também para a ir... Lídia Jorge · 27 de junho de 1997 · 4K
Antologia // Brasil A virgindade das palavras * Os governos mais sábios deveriam contratar os poetas para o trabalho de restituir a virgindade a certas palavras ou expressões, que estão morrendo cariadas, corroídas pelo uso em clichés. Só os poetas podem salvar o idioma da esclerose. Além disso a poesia tem a função de pregar a prática da infância entre os homens. Manoel de Barros · 20 de junho de 1997 · 4K
Antologia // Portugal Da maneira para bem tornar (1) alguma leitura em nossa linguagem Primeiro: conhecer bem a sentença do que há-de tornar, e pô-la inteiramente, não mudando, acrescentado, nem minguando alguma coisa que está escrito. O segundo: que não ponha palavras platinadas, nem de outra linguagem, mas tudo seja em nossa linguagem escrito, mais achegadamente ao geral bom costume do nosso falar que se pode fazer. D. Duarte · 12 de junho de 1997 · 5K
Antologia // Portugal Menina e Moça * Ela não esqueceu nunca o tempo em que era uma camponesinha descarada que dançava debaixo de aveleiras em flor. Ri facilmente e, ao menor pretexto, tira os sapatos, prende as saias com a mão, parte outra vez ao encontro da sua natureza que aceita mal a convenção e os arrebiques. Tem o latim por pai, é certo, mas um pai com barba vagabunda, alheio à higiene e às declinações. Herdou das mouras uma certa languidez, essa demora no olhar que indica a predisposição para o descuido nos pormenores mai... Hélia Correia · 12 de junho de 1997 · 5K
Antologia // Portugal Outras línguas Muito antes, mas mesmo muito antes de eu falar, de eu ser, de eu existir sequer no pensamento de alguém, antes de esse alguém ser alguém, no tempo infinito, no tempo dos tempos de todos os limbos outros homens pensaram, outros homens falaram. Eu sei. Cristina Carvalho · 6 de junho de 1997 · 4K
Antologia // Cabo Verde A Nossa Língua Portuguesa* «Gosto desta língua que me permitiu ler no original as deliciosas prosas de Eça de Queirós ou Jorge Amado, entender e apreciar o "vem cá!" e nunca me impediu de sentir e afirmar a minha identidade de homem cabo-verdiano». [Texto escrito especialmente para o Ciberdúvidas, na sequência dos contributos do angolano Pepetela, do guineense Carlos Lopes, do moçambicano Mia Couto e do português José Saramago] Germano Almeida · 30 de maio de 1997 · 9K
Antologia // Portugal Obriga-se o cronista... Sobre os adjetivos substantivados ‹‹Prelado será sempre virtuoso; cantora será sempre mimosa; jornalista será sempre consciencioso; jovem escritor será sempre esperançoso; patriota será sempre exímio; negociante será sempre honrado; caluniador será sempre infame [quando usados como substantivos]›› – lembra Camilo Castelo Branco neste texto transcrito do seu livro Crónicas, Textos Polémicos e Artigos Escolhidos. Camilo Castelo Branco · 16 de maio de 1997 · 6K
Antologia // Portugal Língua Portuguesa Antigamente, não vinham apenas roupas, brinquedos, ferramentas e espantos nas grandes caixas de madeira que cruzavam os mares e os ventos, entre a América e as ilhas dos Açores. Vinham também os cheiros, os prodígios da riqueza imaginada, as inscrições a negro sobre a madeira aconchegada pela firmeza das cintas metálicas. E vinham palavras novas. Embrulhados com as roupas, chegavam dizeres, bilhetes com erros de ortografia, cartas movidas por estranhas palavras que em si mesmas misturavam dua... João de Melo · 9 de maio de 1997 · 4K