Antologia // Brasil Carta a João Condé (Como e porque foi escrito "Sagarana") João Condé: Exigiu você que eu escrevesse, "manu propria", nos espaços brancos deste seu exemplar do "Sagarana", uma explicação, uma confissão, uma conversa, a mais extensa, possível — o imposto João Condé para escritores, enfim. Ora, nem o assunto é simples, nem sei eu bem o que contar. Mirrado pé de couve, seja, o livro fica sendo, no chão do seu autor, uma árvore velha, capaz de transviá-lo e de o fazer andar errado, se tenta alcançar-lhe os fios extremos, no labirinto das raíze... João Guimarães Rosa · 12 de setembro de 1997 · 7K
Antologia // Portugal Os vínculos timorenses Praia presa, adiantadano mar, no longe, no círculode coral que o mar represa.Praia futura invocada.Timor ressurge das águas,praia futura invocada.Molho o meu sangue na almada bandeira que mais prezo,porque tenho nela a vozda minha candeia acesa.Sou transparente ao luarda minha candeia acesa.Senhor da terra, das águas,do ar e dos milheirais.Senhor Mãe e Senhor Pai,dai-me um desejo profundo.Que eu seja senho... Ruy Cinatti · 5 de setembro de 1997 · 5K
Antologia // Portugal Os vínculos portugueses Meu irmão, meu irmão branco,de cor, como eu também!Aceita a minha aliança.Bebe o meu sangue no teu.Se te sentires timorense,bebe o teu sangue no meu.Lenço enrolado nas mãos,apertadas, pele na palma.Não o quero maculado.Quero-lhe mais que à minh´alma.É penhor de uma aliança.Quero-lhe mais que à minh´alma.Tenho o meu coração presoa um símbolo desfraldado;um desenho atribuído,pelas minhas mãos hasteado.Não pi... Ruy Cinatti · 5 de setembro de 1997 · 4K
Antologia // Portugal Pátria Um caminho de areia solta conduzindo a partenenhuma. As árvores chamavam-se casuarina,eucalipto, chanfuta. Plácidos os rios tambémtinham nomes por que era costume designá-los.Tal como as aves que sobrevoavam rente o matagale a floresta rumo ao azul ou ao verde mais denso e misterioso, habitado por deuses e duendes de uma mitologia que não vem nos tomos e tratados que a tais coisas é costume consagrar-se. Depois, com valados, elevações e planuras, e ... Rui Knopfli · 29 de agosto de 1997 · 3K
Antologia // Brasil A Última Flor do Lácio, Coitada, ou Copacabana Beach Copacabana, em Rio de Janeiro, Brazil, é um endless week-end. Aí, o sol, o único a trabalhar full-time, se fez o melhor public-relations da cidade, desnudando os habitantes, facilitando o convívio. Depois do breakfast, as girls, ouvindo um long-playing no pick-up, trocam rapidamente o baby-doll pelo maillot e se mandam para a praia com seus charmosos sun-shades. Vende-se de tudo na praia: ice-creams, coca-cola, geneal, sandwiches, crush, everything. As mais famosas stars, as mais glamur... Paulo Mendes Campos · 22 de agosto de 1997 · 4K
Antologia // Goa A literatura indo-portuguesa Júlio Francisco Adeodato Barreto (1905-1937) nasceu em Margão e fez estudos secundários em parte no antigo Liceu de Margão, e em parte no Liceu de Nova Goa. Aos 18 anos veio para Coimbra, onde se matriculou na Faculdade de Direito, e decorrido um ano, na de Letras. Teotónio R. Souza (1947-2019) · 14 de agosto de 1997 · 5K
Antologia // Brasil Eloquência singular Mal iniciara seu discurso, o deputado embatucou: — Senhor Presidente: não sou daqueles que... O verbo ia para o singular ou para o plural? Tudo indicava o plural. No entanto, podia perfeitamente ser o singular: — Não sou daqueles que... Não sou daqueles que recusam... No plural soava melhor. Mas era preciso precaver-se contra essas armadilhas da linguagem - que recusa ? -, ele facilmente caía nelas, e era logo massacrado com um aparte. Não sou daqueles que ... Resolveu ganhar tempo: Fernando Sabino · 8 de agosto de 1997 · 9K
Antologia // Portugal Noções de Linguística A língua como definidora de identidade portuguesa neste poema de Jorge de Sena, transcrito na antologia Poesia-III, Moraes Editores, Lisboa. Jorge de Sena · 1 de agosto de 1997 · 4K
Antologia // Portugal Estão podres as palavras... Estão podres as palavras — de passarempor sórdidas mentiras de canalhasque as usam ao revés como o carácter deles.E podres de sonâmbulos os povosante a maldade à solta de que vivema paz quotidiana da injustiça.Usá-las puras — como serão puras,se caem no silêncio em que os mais purosnão sabem já onde a limpeza acabae a corrupção começa? Como serão purasse logo a infâmia as cobre de seu cuspo?Estão podres: e com elas apodrece o mundoe se ... Jorge de Sena · 1 de agosto de 1997 · 4K
Antologia // Portugal Vícios da Língua No Sermões e Lugares Selectos, o Padre António Vieira refere que quando o diabo caiu do céu, coube a Portugal a língua dele que ao menos assim nos entendem as nações estrangeiras, que de mais perto nos tratam. Padre António Vieira · 18 de julho de 1997 · 5K